segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Viva o Saci e o Ralouim Tupiniquim!


Viva o Saci e o Ralouim tupiniquim!
É só outubro chegar ao fim e já vem aquele discurso-clichê de supostos nacionalistas dizendo que a festa do Ralouim é um estrangeirismo, que não faz parte de nossa cultura, que só se comemora em cursos de inglês, que devemos promover o que é nosso e rechaçar essas tradições alienígenas.
Ouvimos isso de quem usa um vocabulário recheado de anglicismo. Discordo de patriotismo tão simplista de pseudointelectuais que ignoram como se formam as tradições, ignorantes em história e geografia e cuja opinião se baseia em estereótipo.
Se obedecermos a essa lógica teremos de rejeitar a quadrilha junina, pois é uma imitação caipira das danças cortesãs francesas, de Versalhes. Rejeitar, também, tudo que é de origem lusitana. O próprio Carnaval não tem origem estritamente brasileira. Teremos de torcer o nariz também ao samba, de origem africana.
Em suma: Cairemos no mesmo lodaçal de incoerência e falta de lógica dos racistas que pregam a supremacia duma raça pura e imaculada, cujas bases são derrubadas com uma simples reflexão.
Esse nacionalismo puro é um absurdo, utopia. Não existe raça pura, língua pura nem pensamento absolutamente original. Tudo é interativo. Como na natureza, tudo se recicla, se alimenta, interage, cruza, absorve, digere, processa, transforma. Ninguém pode viver isolado do ambiente e da sociedade, tanto quanto é impossível o moto-contínuo, ou seja, um sistema fechado que não perde energia nem precisa de energia externa.
Rejeitar a festa alienígena ou macaquear? São dois extremos.
Rejeitar o ralouim só porque é estrangeiro? É xenofobia. É como não aceitar que um estrangeiro queira morar aqui e se naturalizar. Em vez de cultivar um preconceito cultural devemos ter vontade de mostrar que somos mais criativos, abertos, pujantes. Deixar a festa entrar e a transformar, enriquecer, como aconteceu ao Carnaval, que quase se extinguiu na Europa e aqui se agigantou e se tornou uma festa maravilhosa. Se o Carnaval não existisse aqui e alguém tentasse introduzir, esses mesmos intelectuais bradariam em protesto, dizendo que é uma festa estrangeira, européia, patati-patatá, etc e tal.
Imagines nossos netos tendo um Ralouim estupendo, atraindo turistas e folcloristas.
Já se imaginou o pessoal do maracatu dizendo que o frevo é um ritmo afrancesado, parecendo o cancã francês? Os adeptos da quadrilha saírem em passeata dizendo que o forró não é tão brasileiro e que tira seu espaço e público? Pois o pessoal que faz esse maravilhoso trabalho de revitalizar o Saci, maldizer o Ralouim é algo tão pueril quanto a birrinha dos astrônomos contra os astrólogos. Em Eua o Ralouim é uma festa infantil e estagnada? Pois a enriqueçamos a ponto de ficar tão melhor quanto um desfile de escola de samba o é em relação ao desfile das Rosas. Achar que o Ralouim suplantará e tirará o público do dia do Saci é muito simplista, simplório.
Em 2006 fiz uma observação interessante. A copa do mundo caiu em junho e com isso a imprensa, tão embasbacada na campanha do hexa deixou passar em branco as festas juninas. Praticamente não se fez reportagem nem se falou em arraiais, quadrilhas, quentão, casamento na roça, espadas de fogo, promessas a santo Antônio. A imprensa se esqueceu da festa junina.
E ninguém meteu o pau na copa. Esse sim, um mundo culturalmente pobre, de falsos valores, estereotipado, anti-cultural. Esse sim, um fator de degradação cultural. Ninguém meteu o pau porque é uma roda milionária, que compra até a imprensa. Onde estavam os nacionalistas? Torcendo pela pátria de chuteira? Por que não protestaram que nossa linda e rica festa junina foi sufocada por esse torneio feio e banal?
Quando dos jogos pan-americanos no Rio de Janeiro imaginei que a festa de abertura teria muito da cultura popular carioca, como um desfile dalguma escola de samba, capoeira, banda de Ipanema. Seria uma valiosíssima oportunidade de divulgação. Espantado, vi uma abertura pobre, estilizada, sem-graça. O mesmo estilo bróduei, agigantado mas artificial. Uma diferença da água ao vinho, como o circo do Sol de Quebeque é diferente duma escola de samba ou como um musical da Bróduei é muito menos saboroso que um cancã.
Está, pois, demonstrado que o discurso anti-ralouim, que ouvimos todo ano, é tão estúpido quanto as bobagens que se diz sempre que chega o horário de verão, de que bagunça o relógio biológico das pessoas. Essas pessoas passam a noite inteira na boate, tomando álcool, ecstasy, etc, e põem a culpa da ressaca no horário de verão. Os adolescentes dormem tarde e cochilam durante a aula o ano inteiro mas no fim do ano a imprensa apresenta esse fato como culpa do horário de verão.
Viva o Saci e o Ralouim tupiniquim!

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