domingo, 3 de novembro de 2013

Vinícius quase de Moraes
Me lembro das velhas reportagens e documentários que via na TVE e TV Cultura, sobre a era dourada da intelectualidade carioca, onde, geralmente em volta duma mesa de bar, livres-pensadores discutiam temas dos mais interessantes, as idéias mais saborosas, os temas mais exóticos e ou tabus.
Eram poetas, carnavalescos, cineastas, escritores, dramaturgos... Vinícius de Moraes e seu infinito enquanto dure, Macunaíma e a filosofia da preguiça, a malandragem como identidade. Ali surgiram conceitos de brasilidade, estereotipados ou não.
Pois em Campo Grande temos uma banca assim.
Conheço Judar desde seu tempo de funcionário do Sebo Maciel, onde me emprestava livro pra escanear. Quinas e castelos, de Gustavo Barroso, já postado aqui, é um. Eu sempre ficava mais batendo papo que garimpando livro. Quando fiz a Marcha da japonesinha Judar tocou no som da loja algumas vezes e me disse sobre a ironia do destino de Eduardo Dusek ganhar o concurso de marcha da Globo com uma canção tão ruim, só porque é famoso, disse, enquanto essa obra-prima, Marcha da japonesinha, fica na sombra.
Pois Judar adquiriu uma banca própria no centro, a banca Vinícius, onde vez e outra vou pra conversar mais que pra comprar. E ali se desmancha a velha e falsa idéia de que no mundo só tem gente burra.
Eu disse pra Judar abrir tipo um café literário, pois tem clientela pra isso. Um ponto de encontro da intelectualidade campo-grandense. Ali aparecem os tipos mais interessantes, como naquelas coletâneas sobre personagens típicas, tipos exóticos que existem numa cidade ou bairro. Tem o cinéfilo que dá aula de cinema, uma senhora que viajou mundo trabalhando em embaixada e conta causos interessantes. Só essa daria um livro. Tem o idoso amargo, que junto cum amigo são avessos à internete e quase não falam ao celular porque está tudo espionado, jovens interessados em se iniciar nos mistérios sem cair na contra-informação.
Num ano já soube de várias garotas que gostam muito de ler, o que desmente um pouco a idéia generalizada de que o adolescente está alienado.
Ali discutimos ufo, mistérios, deuses astronautas, Terra oca, sociedades secretas, mentiras históricas... Ali vemos lançamento de livro, se encomenda livro difícil de achar, se recomenda, discute, avalia.
Há poucos meses Judar fez uma exposição de promoção de livro na calçada e em seguida apareceram fiscais da prefeitura, truculentos, ordenando retirar tudo, quando deveriam incentivar e premiar. Só não o fizeram porque os clientes presentes na ocasião não deixaram o abuso se consumar.
O que explicita a mentalidade , provinciana de nossas autoridades e do povo em geral. É por isso que aqui não existe livro na calçada, como tem em Curitiba, Rio, Santiago e tantos outros lugares. É tudo regulamentado demais, praticamente um regime comunista, pois é impossível o cidadão enfrentar o poder público na justiça.
Campo Grande deve ser a cidade mais anti-cultural do Brasil.


Um comentário:

  1. "truculento", "ignorante", "boçal", para adjetivar fiscal da prefeitura deveria ser terminantemente proibido: incentiva quem lê a ter vontade de ir ao ilustre mencionado e cobri-lo de pés-de-ouvido...

    ResponderExcluir