Vinícius quase de Moraes
Me lembro das
velhas reportagens e documentários que via na TVE e TV Cultura, sobre a era
dourada da intelectualidade carioca, onde, geralmente em volta duma mesa de
bar, livres-pensadores discutiam temas dos mais interessantes, as idéias mais
saborosas, os temas mais exóticos e ou tabus.
Eram poetas,
carnavalescos, cineastas, escritores, dramaturgos... Vinícius de Moraes e seu
infinito enquanto dure, Macunaíma e a filosofia da preguiça, a malandragem como
identidade. Ali surgiram conceitos de brasilidade, estereotipados ou não.
Pois em Campo
Grande temos uma banca assim.
Conheço Judar
desde seu tempo de funcionário do Sebo Maciel, onde me emprestava livro pra
escanear. Quinas e castelos, de
Gustavo Barroso, já postado aqui, é um. Eu sempre ficava mais batendo papo que
garimpando livro. Quando fiz a Marcha da
japonesinha Judar tocou no som da loja algumas vezes e me disse sobre a
ironia do destino de Eduardo Dusek ganhar o concurso de marcha da Globo com uma
canção tão ruim, só porque é famoso, disse, enquanto essa obra-prima, Marcha da japonesinha, fica na sombra.
Pois Judar
adquiriu uma banca própria no centro, a banca Vinícius, onde vez e outra vou
pra conversar mais que pra comprar. E ali se desmancha a velha e falsa idéia de
que no mundo só tem gente burra.
Eu disse pra
Judar abrir tipo um café literário, pois tem clientela pra isso. Um ponto de
encontro da intelectualidade campo-grandense. Ali aparecem os tipos mais
interessantes, como naquelas coletâneas sobre personagens típicas, tipos
exóticos que existem numa cidade ou bairro. Tem o cinéfilo que dá aula de
cinema, uma senhora que viajou mundo trabalhando em embaixada e conta causos
interessantes. Só essa daria um livro. Tem o idoso amargo, que junto cum amigo
são avessos à internete e quase não falam ao celular porque está tudo
espionado, jovens interessados em se iniciar nos mistérios sem cair na
contra-informação.
Num ano já
soube de várias garotas que gostam muito de ler, o que desmente um pouco a
idéia generalizada de que o adolescente está alienado.
Ali discutimos
ufo, mistérios, deuses astronautas, Terra oca, sociedades secretas, mentiras
históricas... Ali vemos lançamento de livro, se encomenda livro difícil de
achar, se recomenda, discute, avalia.
Há poucos
meses Judar fez uma exposição de promoção de livro na calçada e em seguida
apareceram fiscais da prefeitura, truculentos, ordenando retirar tudo, quando
deveriam incentivar e premiar. Só não o fizeram porque os clientes presentes na
ocasião não deixaram o abuso se consumar.
O que
explicita a mentalidade , provinciana de nossas autoridades e do
povo em geral. É por isso que aqui não existe livro na calçada, como tem em
Curitiba, Rio, Santiago e tantos outros lugares. É tudo regulamentado demais,
praticamente um regime comunista, pois é impossível o cidadão enfrentar o poder
público na justiça.
Campo Grande
deve ser a cidade mais anti-cultural do Brasil.
"truculento", "ignorante", "boçal", para adjetivar fiscal da prefeitura deveria ser terminantemente proibido: incentiva quem lê a ter vontade de ir ao ilustre mencionado e cobri-lo de pés-de-ouvido...
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