Crônicas bogotanas medelinenses
Da autobiografia não autorizada de Che Guavira
Capítulo 3
● A novela mexicana, ou melhor, colombiana da
senha do cartão ● Achas que é
uma maravilha a ligação gratuita? Pois vejas só ● Café no isopor! ● Um alegre passeio na serra ● A lindíssima Medelim ● O sósia de Suassuna ● Fim da breve visita ● Itagüi é topônimo tupi
Na ida, já no
aeroporto, a senha do cartão internacional não funcionou. Corri à delegacia de
atendimento ao turista. A atendente telefonou ao número de atendimento no verso
do cartão mas a ligação caía. Só depois me toquei de que deve ter ligado ao
primeiro número, sem olhar que era pra atendimento noutro país. Então resolvi
ligar do hotel, pois se era só senha seria coisa trivial.
Como socorro
retirei 1000 reais no caixa eletrônico e troquei por dólar numa casa de câmbio,
pra trocar por peso colombiano lá.
Dona Stella, a
dona do hotel, disse que seu irmão, dom Germán, sócio, é quem costumava
resolver problema com cartão. Que na manhã seguinte o faria.
Mas dom Germán
teve de viajar e não o vi nessa estadia.
No verso do
cartão não havia número pra atendimento na Colômbia. Portanto a opção seria outros países.
Do hotel não
poderia ligar, pois ali ligação internacional é bloqueada no sistema. Na
esquina à esquerda, virando à direita até a outra esquina transversal tem uma
casa telefônica e interneteria. O número não completava.
No dia
seguinte fui a uma loja da Western Union, num centro comercial perto. Nada. Que
não era ali, não tinha como, não sabia informar...
Na interneteria
mandei imeio à Treviso, operadora do cartão. A resposta chegou depois de
solucionado.
A hoteleira
encontrou um número que seria um atendimento. Fui à interneteria mas a ligação
dava mensagem de número que não existe. Voltei ao hotel. O número existe.
Decerto tentei ligação internacional quando era local. Voltei. De novo não deu.
E assim cinco vezes, cada vez com novo porém. Nada.
Liguei ao
amigo Ramão, pra se informar no Brasil. Deu vários números que forneceram. Mas
eu não conseguia ligar porque eram 0800 e 1800, ligação gratuita, e a
interneteria bloqueia ligação gratuita porque tem uma cota pra vender ligação,
não pode desperdiçar cota com ligação gratuita.
A ligação
gratuita, que teoricamente seria um imenso benefício, em viagem se torna um estorvo,
porque tanto hotel como casa telefônica bloqueiam. Um porque é ligação
internacional, o outro porque é gratuita.
Eu teria de
ligar da casa de alguém, dum morador.
Como tinha de
pagar o hotel a hoteleira sugeriu um depósito. Assim Ramão faria um depósito a
meu cartão. Pra isso escaneou meu cartão e minha identidade. Então a atendente
do cartão disse que não é assim a identidade, que tem um chipe, e anexou ao
imeio uma figura da identidade duma brasileira como exemplo. Assim mixou a
opção do depósito.
Eu disse que
não tem chipe, que se tivesse ficaria sabendo. Que só se implantou agora,
porque minha identidade é do ano passado. E como passaria no aeroporto se não
valesse?
Quando cheguei
de volta fui me informar e enviei imeio à hoteleira, informando que não existe.
O chipe será implantando. Só há alguns como teste.
Na noite o
sócio, senhor Germán, me chamou a uma conversa à tela do computador e pediu
garantia de pagamento. Certamente a preocupação foi por causa do chipe e do
cartão que nunca se resolve.
Na sexta-feira
na noite já tinha como última solução apelar à embaixada. Seria só na terça,
porque na segunda era feriado nacional. Se informaram de que a embaixada abre
no sábado no fim de tarde. Mas o taxista do hotel não apareceu. Ficou claro que
tentavam evitar a solução via embaixada, vendo se resolvia antes.
Mas no sábado
Ramão conseguiu contatar com a Treviso, depois de falar cuma atendente que não
quis saber, conseguiu com outro. Fui chamado ao celular da hoteleira, onde um
sujeito com sotaque português foi fazendo as perguntas-chave e eu tinha de ir
digitando os números do cartão e as opções. Acontece que no celular apareciam
as opções que teclei mas decerto era incompatível com o sistema deles. De modo
que mesmo aparecendo o número teclado na tela, ouvia mensagem de opção errada.
A hoteleira
disse:
— Calma. Não
fiques nervoso. Tem de ir fazendo com calma.
Eu explicava
que não era isso. Era o sistema que ignorava os números teclados.
Liguei a Ramão
e pedi a ligar de novo, vendo se tem um endereço pra eu ir pessoalmente. Não
tem.
No domingo
nova ligação, nessa vez com sotaque brasileiro. Tudo igual. Avisei que não
adianta teclar os números, pois o sistema é incompatível com o do celular.
Então após as perguntas-chave avisou pra não teclar, que passaria tudo direto.
Assim fui
ouvindo as mensagens de opção, aguardei, foram caindo, passando a diante, até
ouvir a senha.
Ufa! Acabou a
novela.
Que sabor teve
a primeira compra!
●
Na
quinta-feira, 21, dei uma esticada até Medelim. Já que estava perto fui passar
um dia, pra conhecer o amigo Carlos Molina, antigo correspondente, pois se não
fizer assim os anos passam e ninguém se encontra.
A viagem em
terra Bogotá-Medelim (mnemonicamente tobogã-medalhinha) é muito mais demorada
que a distância supõe, por ser área montanhosa. 404km em 8h ou 9h, imaginem!
Deve ser uma paisagem e tanto, mas fica prà próxima curtir a paisagem. Fui em
avião.
A idéia era ir
e voltar no mesmo dia, como costumeiro quando se vai a Ponta Porã. Mas a volta
daria poucas horas. Ainda mais que a distância do aeroporto a Medelim é grande.
Optei voltar na manhã do dia seguinte.
Na ida mais um
percalço. Como no bilhete da Edestinos, que imprimi, a viagem no Brasil consta
a hora de embarque, nunca perdi vôo aqui. Mas lá a hora impressa é a do vôo, não
a do embarque! O que me interessa a hora do vôo? O que interessa é a do
embarque. Não podiam encaixar noutro vôo porque dizem que estava tudo lotado,
mas pagando a taxa a vaga aparece. Assim, em vez do vôo das 7h fui no das 10h.
No avião
serviram café em copo de isopor com colherinha de plástico! Ao descer entreguei
a uma comissária, dizendo que esses materiais não podem conter líquido quente,
pois são tóxicos.
No aeroporto
encontrei Carlos, um sem saber a fisionomia do outro. Sorte que não havia
multidão. De cara me lembrou senhor O’Hara de Karatê Kid, embora nada tenha de japonês.
Fomos a um
jipe Land-Hover, onde sua esposa, Margarita, nos esperava, e Carlos se jogou na
traseira. O esporte do casal é caminhada, escalada, passeios ecológicos desse
tipo, daí o jipe.
Dona Margarita
ao volante, um percurso de meia hora numa paisagem deslumbrante e cheia de
curva, com paredões e densa mata nos dois lados, que lembra muito a serra
catarinense. Um posto de pedágio no meio do percurso. A cidade despontou num vale
abaixo, o que na serra catarinense corresponderia ao mar.
A casa
decorada com bom-gosto, com pingentes sonoros, um aquário seco. A garagem do
jipe é a sala-de-visita. Cada um molda sua casa conforme seus hábitos. Nada
mais natural que tenham o jipe no meio da sala, o que deu um toque rústico.
Após a troca
dos presentes fomos almoçar num restaurante próximo. No começo da tarde um
passeio na praça central, onde tem uma maria-fumaça preta como monumento,
bibliotecas, algumas estátuas metálicas representando figuras típicas e uma gigantesca
estátua de concreto em forma de painel, mostrando os aspectos da colonização.
O guarda de
plantão ali, muito culto, deu um histórico geral da feitura do painel, o que
significava cada cena.
Medelim não se
parece com Bogotá. É ainda mais linda, porque a beleza está na paisagem, não só
na arquitetura. E é mais quente, pois em menor altitude. Bogotá é mais
são-paulo, uma sampa melhorada, sem prédio alto. Medelim seria a gramado
colombiana. Como Campo Grande é a cidade morena, Cuiabá a cidade branca, Medelim é chamada a capital da montanha.
Na praça
ficamos esperando a filha de Carlos, e logo mais o genro nos apanhou de carro.
Carlos perguntava
à filha onde irmos, pois estava preocupado em me fazer passear Eu disse: Mas a
vinda na estrada serrana, no jipe, com estupenda paisagem, já não foi um
magnífico passeio? Quantos pagariam caro um passeio assim!
Eu queria
deixar claro que não fui passear em Medelim. Só uma esticada pra conhecer
Carlos. Um dia corrido daria o mínimo de interferência em seu cotidiano.
No caminho
falamos sobre os topônimos tupis. Logo vimos um ônibus ostentando o letreiro Itagüí, uma cidade próxima. Eu disse:
— Mas esse
nome é nitidamente tupi!
Fim de tarde,
decidiram ir ao museu que foi a casa do escritor local Fernando González, que
achei sósia de Ariano Suassuna. Tipo uma sede campestre, estacionamento chão de
terra sob as árvores e mesas com guarda-sol. No museu livros desse autor a
venda. Carlos me deu Los negroides (Ensayo sobre la Gran
Colombia, 1936).
Adeene neles!
Carlos se
espantou quando perguntei se tinha ascendência japonesa. Um amigo japonês aqui
uma vez disse que deixaria pra me receber no outro dia porque naquele chegaria
sua filha e o genro, que ficaria dividido tentando atender duas visitas. Pois
é. Se Carlos fosse japonês eu não estaria à mesa consigo, esposa, filha e
genro. Se encontraria comigo noutro dia. Disse:
— Digo, sem ter certeza,
que pertenço aos nutabes. Se bem que devo ser mistura de indígenas e espanhóis.
E, segundo Mário Jorge, de japonês também.
Passamos o fim
de noite conversando, sentados na soleira da porta, na calçada, sobre as coisas
da terra, a angústia e esperança de solucionar a guerrilha, o clima, a beleza
da serra.
Fui dormir. Na
verdade apenas me estirei sobre a cama, sem mexer nela, vestido, pronto pra ir.
Na madrugada me chamou. O táxi estava à porta, rumo ao aeroporto. Vôo de volta
sem café no isopor.
Assim foi a
viagem ao país do cata-vento e das maravilhas. Viagem de sonho, inesquecível.
●
Apêndice
Itagüi é topônimo tupi
Os tupis estiveram na Colômbia
central. A figura tirei de
Los tupís estuvieron en Colombia central. La figura saqué de
Concluí que o topônimo da
cidade de Itagüi é de origem tupi.
Concluí que el topónimo de la ciudad de Itagüí es de origen tupí
Os tupis tiveram presença e
influência no território colombiano muito maior do que se pensa. Vejamos uns
detalhes:
Los tupís tuvieron presencia y influencia nel territorio colombiano mucho
más de lo que se piensa. Veamos unos detalles:
Segundo Carlos, alguns
lugares ali se chamam Tupinamba.
Según Carlos, algunos sitios allí se llaman Tupinamba.
Também vários hotéis e uma
canção da dupla Lara e Acosta.
También varios hoteles y una canción del dueto Lara y Acosta.
No folclore colombiano tem
a sereia do arco (sirena del arco), que é uma sereia com máscara, na verdade um
antifaz, vermelho, o que seria muito estranho. Mas fica óbvia a origem. É a
pintura de urucum, tradicional dos tupis.
Nel folclor colombiano hay la sirena del arco, que es una sirena con
máscara, en verdad un antifaz, rojo, lo que sería muy extraño. Pero queda obvio
el origen. Es la pintura de urucún, tradicional de los tupís.
O topônimo Itaguaí tem origem na antiga língua tupi e significa rio da enseada da pedra, através da junção dos termos itá (pedra), cuá (enseada)
e y (água)
El topónimo Itaguaí tiene origen
en la antigua lengua tupí y significa río de la ensenada de la piedra, a través
de la junción de los términos itá (piedra), cuá (ensenada)
e y (agua)
Minha tia Cecília
Figueiredo, que é paraguaia e fala guarani, confirmou:
Mi tía Cecilia Figueiredo, que es paraguaya y habla guaraní, confirmó:
Itagüi (pedra embaixo), güi (embaixo)
Itagüi (piedra embajo), güi (embajo)
O trecho retirado do endereço
acima discute a etimologia de Itagüi. Os eruditos estão equivocados.
El trecho retirado del sitio arriba discute la etimología de Itagüí. Los
eruditos están equivocados.
(Abaixo, tradução do trecho em questão)
Uno de los mitos que son soporte de la historiografía tradicional nel
municipio de Itagüí consiste en afirmar la existencia de una tribu indígena
llamada Bitagüí con su cacique Bitagüí. Sin embargo, en ninguna de las crónicas
aparece el nombre de ese cacique o tribu. Muchas de las nominaciones que los
españoles adaptaban de 1os indígenas, para las atribuir a un lugar, provenían
de confusiones lingüísticas que se daban nel encuentro. El primer saludo o la
primera palabra agresiva era entendido y adoptado, atribuyendo significados
distintos a los originales y permitiendo se transformar a través del tiempo.
Ese fue el caso de la palabra muisca,
que, según Graciliano Arcila, significaba blanco
y terminó siendo atribuida a las culturas indígenas de las tierras altas de
Cundinamarca y Boyacá. Puede pues el nombre Itagüí
provenir de cualquier parte, y aunque en algunos estudios se intenta, por
ejemplo, buscar palabras catías (Itahui:
Evitar, dejar en paz, apartar, abandonar) o chibchas (Ytiquyn: Dedo de la mano), esos estudios empero no se hicieron con rigurosidad
científica suficiente y con base en estudios comparativos antropológicos,
arqueológicos, lingüísticos o históricos que permitan demostrar que en esa
época de la conquista y principio de la colonia existía ya el nombre de Itagüí. Los hallazgos arqueológicos y,
en muchos casos, la guaquería realizada en Itagüí, hablan de la existencia de
asentamientos indígenas en la zona, pero no se dio importancia a la
investigación y al estudio riguroso de esos vestigios.
Um dos mitos que são suporte
da historiografia tradicional no município de Itagüi consiste em afirmar a
existência duma tribo indígena chamada Bitagüi com seu cacique Bitagüi. Mas em
nenhuma crônica aparece o nome desse cacique ou tribo. Muitas das denominações
que os espanhóis adaptavam dos indígenas, pràs atribuir a um lugar, provinham
de confusões lingüísticas que ocorriam no encontro. O primeiro cumprimento ou a
primeira palavra agressiva era entendido e adotado, atribuindo significados diferentes
dos originais e permitindo se transformar através do tempo. Esse foi o caso da
palavra muisca, que, segundo
Graciliano Arcila, significava branco
e terminou sendo atribuída às culturas indígenas das terras altas de
Cundinamarca e Boiacá. Então o nome Itagüí
pode provir de qualquer parte, e se bem que nalguns estudos se tenta, por
exemplo, buscar palavras catias (Itahui:
Evitar, deixar em paz, apartar, abandonar) o chibchas (Ytiquyn: Dedo da mão), mas esses estudos não foram feitos com rigor científico
suficiente e com base em estudos comparativos antropológicos, arqueológicos,
lingüísticos ou históricos que permitam demonstrar que nessa época da conquista
e princípio da colônia já existia o nome de Itagüí.
Os achados arqueológicos e, em muitos casos, o garimpo realizado em Itagüí,
falam da existência de assentamentos indígenas na zona, mas não se deu importância
à investigação e ao estudo rigoroso desses vestígios.