quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Os López nunca quiseram concertar as divisas com o império
Olá sr. Bondius. Obrigado pelo comentário. No original no jornal está consertar. Na linguagem corrente (não sei se só no Brasil) tem sentido de arrumar, restabelecer. Consertar um aparelho que pifou, consertar a bicicleta. Concertar é no sentido de evento, café-com-concerto, concerto, recital, concerto musical. Seria no sentido de combinar, dando idéia de sincronia, ritmo. Consertar as divisas seria no sentido de se reunir pra estabelecer um consenso, tratado, contrato. Não eram divisas que estavam erradas a ser consertadas, endireitadas, mas combinar uma, criando, na base do consenso, as divisas que ainda não existiam.
Claro que é um conceito discutível, mas me pareceu mais adequado concertar em vez de consertar.
Nas entrelinhas da história
Os López nunca quiseram concertar as divisas com o império
Acyr Vaz Guimarães
O
s dois López nunca quiseram concertar os limites territoriais com o império do Brasil. Parece incrível mas é a verdade!
Por que parece incrível?
Porque se supõe que a guerra do Paraguai (1864-1870) aconteceu por causa de terras que os López contestavam e as queriam de qualquer maneira!
Mas, não!
Tanto dom Carlos Antônio López quanto seu filho Francisco Solano  López tinham certeza de que as terras que contestavam não lhes pertenciam.
Dom Carlos Antônio López tinha certeza de que a divisa da república do Paraguai com o império do Brasil se fazia no rio Apa. Em 1843 o então capitão-tenente de nossa marinha, Augusto Leverger, por determinação do gabinete imperial, foi a Assunção pra fazer uma visita de cortesia a dom Carlos Antônio López, partindo de Cuiabá, província de Mato Grosso.
Leverger, por informação do próprio presidente paraguaio, soube sobre um mapa do país elaborado pelo geógrafo espanhol que viveu muitos anos no Paraguai, dom Félix Azara. Dom Carlos, a pedido de Leverger, mostrou o mapa, visto com precisão, conforme relatou ao gabinete imperial, que a divisa com o império era no rio Apa ou Correntes. Como Leverger não foi pra tratar de limite, nada se falou a respeito, mas Leverger tomou boa nota do assunto!
Dom Carlos Antônio López não conhecia a fronteira norte de seu país e procurou saber a exata posição do rio Apa ou Correntes, solicitando ao ex-comandante do forte Olimpo, Manoel Antônio Delgado, o informar com todos os detalhes, respondendo a uma série de pergunta. Com a informação, dom Carlos Antônio López soube que o rio Apa ou Correntes era, como é e sempre foi, o mesmo rio de hoje. Dom Carlos López Antônio não ficou em dúvida.
Noutro lado, devia constar em seus arquivos notícia de 1792, portanto passados 55 anos aproximadamente, quando o Paraguai ainda era colônia espanhola, a descrição de sua fronteira norte, feita por dom Diogo de la Vera, por determinação do governador espanhol dom Joaquim Alós, que dizia: Esta província se estende no norte e na margem oriental do rio Paraguai até o rio Apa ou Correntes que verte no rio Paraguai nos 22º4’ 35’’... que é o paralelo geográfico do mencionado rio (hoje e sempre).
Se percebe que o rio Apa ou Correntes, estipulado por dom Felix Azara e por dom Diogo de la Vera, é o mesmo. Sem dúvida, a divisa do território português, então capitania (1792), com a província espanhola do Paraguai, se fazia no rio Apa, de paralelo geográfico 22º4’ e alguns segundos, que jamais mudará, prevalecendo ante a denominação Apa ou Correntes, que pode mudar.
No exposto bem se vê que jamais os López ou outro presidente poderia mudar a divisa, a não ser com acordo mútuo.
Então o filho mais velho de dom Carlos Antônio López, general com dezoito anos, Francisco Solano López, mantendo severa quizila contra o império do Brasil, sem razão de ser, deve ter influenciado seu pai pra não aceitar o rio Apa ou Correntes como linha divisória mas o arroio (que passaram a chamar de rio) Branco, bem acima do rio Apa, desembocando perto do forte Olimpo, paraguaio, situado na margem direita do grande rio. Nenhuma razão para isso! Só porque o arroio Branco desembocava perto dum forte paraguaio?
Em 1847 presidente Carlos López mandou Juan Gelly ao Rio de Janeiro, pra tratar dos limites. Gelly propunha as divisas no rio Branco (um arroio que seca durante as estiagens), em vez de no rio Apa. Nada argumentava pra mudar a divisa do rio Apa (de acordo com o mapa de Félix Azara) no rio Branco, senão que desembocava quase diante do forte paraguaio de Olimpo.
Nasceu ali a velha contenda. A terra entre o Apa e o Branco seria paraguaia?
O império sabia que não, mas presidente López insistia que sim, sem demonstrar a razão que o levou a assim proceder.
Como encontrou sérias e justas razões postas pelos diplomatas brasileiros, que contrariavam as pretensões do presidente, resolveu propor que ao menos fossem aquelas terras colocadas como neutras, sem ocupação por uma ou outra parte. A questão ficou em estudo, sem solução. Mas López insistia!
Presidente López tinha em mira a navegação segura, sem percalço, até o forte Olimpo. Se as terras entre o Apa e o Branco fossem, como eram, brasileiras, essa navegação poderia ser vigiada, como fazia no trecho do rio que atravessava seu território. Se neutras, sem ocupação, ou paraguaias, a navegação seria livre, como queria o presidente. Essa foi a razão da destruição dos alicerces do forte de Fecho dos Morros, em 1850. Se construído, cercearia a navegação do rio, tornando vulnerável o forte Olimpo, colocado entre os fortes de Fecho dos Morros e o de Coimbra.
Como os López sempre pensaram em guerra, jamais abririam mão das terras entre o Apa e o Branco, mesmo sabendo que não lhes pertenciam de direito.
Presidente Carlos López tinha consciência de que aquelas terras não eram paraguaias, escrevendo em 1852 a seu ministro plenipotenciário Moreira de Castro: ...no tocante ao território da direita do Apa só peço neutralidade, não propriedade nem possessão dum palmo de terra...
Com essas palavras, que estão nos arquivos paraguaios, tudo fica esclarecido, embora a tradição oral, propositalmente mal conduzida, as desconheça.
Noutro lado, na bacia hidrográfica do Paraná, a proposição de Gelly, em 1847, no Rio de Janeiro, pro limite territorial, era na cumeada da serra de Maracaju, desde o salto de 7 Quedas até as vertentes do rio Branco, nesse caso incorrendo no erro de situar as vertentes do Branco na dita serra, quando ele nasce dali a mais de 100km (na serra de Bodoquena). Mas a divisa seria (bom repetir) na cumeada da serra.
Sumariando:
Presidente López propunha a divisa no rio Branco, na bacia do rio Paraguai, dizendo que ele nascia (não nasce) na serra de Maracaju.
O presidente propunha que, não aceita a divisa no Branco, fosse a área entre o Branco e o Apa posta como terra neutra (pelas razões que expusemos).
Do lado da bacia do Paraná a divisa correria na cumeada da serra de Maracaju (ou Amambai) a partir do salto de 7 Quedas (desaparecido).
Tudo acontecido em 1847.
Mais tarde veremos como tudo isso foi modificado pelos López!
Em 1852 o representante paraguaio Moreira de Castro (português de nascimento) esteve no Rio de Janeiro pra tratar dos limites e doutros assuntos relativos ao tratado de 1850.
Moreira de Castro refazia a proposta de Juan Gelly, de 1847, isto é, as divisas ao norte de seu país seriam no rio Branco ou, na melhor das hipóteses, fosse transformado o território entre o Branco e o Apa num território neutro. Repetição do proposto por Gelly.
O gabinete imperial mais uma vez recusou a proposição paraguaia, fato que levou Moreira de Castro escrever, a seu presidente, que o assunto só se resolveria pelo feliz resultado duma guerra contra o Brasil. Carlos López respondeu: A república do Paraguai não quer guerra contra alguém. Muito menos contra o império do Brasil. Mas não está disposta a sempre tolerar o roubo e os assaltos que fazem as tribos selvagens que o Brasil mantém no território contestado [...] e no tocante ao território da direita do Apa, só peço neutralidade, não propriedade nem possessão, mesmo dum palmo de terra... [Assunto já tratado].
Os índios guaicurus, embora sempre provocassem destruição em território paraguaio desde remotos tempos, seriam apenas uma desculpa de López pra neutralizar o território, porque, na verdade, conforme já dissemos, era a navegação do rio Paraguai até o forte Olimpo sua grande preocupação! Queria uma navegação livre, sem vigília brasileira!
Tanto Moreira de Castro insistiu neutralizar o território, que o gabinete imperial se dispusera a neutralizar uma faixa entre os rios, conforme disse a Carlos López seu representante Moreira de Castro: Após repetidas entrevistas o ministro brasileiro se mostrou disposto a neutralizar uma zona entre o Apa e o Branco. Chegado, portanto, o momento de prolongar a discussão, mas Carlos López chamou Moreira de Castro de retorno. Se estava obtendo bom resultado, por que não continuar a discussão com o gabinete imperial?
Vencido o grande inimigo do Paraguai, ditador Rosas, da Argentina, em 1852, Carlos López não mais precisando do seu protetor, o império do Brasil, procuraria, doravante, dificultar o entendimento com o gabinete imperial, tanto que devolveu as credenciais do embaixador brasileiro Pereira Leal, em Assunção, por motivos de somenos importância, tão logo chegara do Rio de Janeiro seu representante Moreira de Castro! Talvez nisso residisse o retorno desse seu representante sem discutir a neutralização da faixa entre o Apa e o Branco, em via de ser acertada com o ministro brasileiro de estrangeiro.
Então estava na Europa o filho mais velho de Carlos López, general Francisco Solano López, jovem ainda, fazendo compra de armamento e contratando técnico pra levantar a usina de Ibicuí, o arsenal de Assunção e outras obras, como o telégrafo e uma ferrovia, de vista voltada a uma guerra contra os vizinhos, conforme entrevista que concedeu ao jornal La tribuna, de Buenos Aires, em 1856.
Portanto houve razão pra que as missões brasileiras no Paraguai, pra tratar de limite, não tivessem sucesso. Uma carta do ex-ministro de estrangeiro, Paulino José de Sousa, com quem Moreira de Castro tratara a neutralização do citado território, explicou tudo. Vejamos o que disse a visconde do Rio Branco:
Conversando há dias com senhor Calderón de La Barca, que foi muitos anos diplomata, e ultimamente ministro de negócio estrangeiro na Espanha, e recaindo a conversação sobre as antigas colônias espanholas do sul da América, especialmente sobre o Paraguai, contou que, sendo ministro, aparecera em Madri e se lhe apresentara dom Francisco Solano López, filho do presidente daquela república, quem lhe pedira o reconhecimento da independência e lhe propusera um tratado no qual punha uma condição e seria que a Espanha assegurasse ao Paraguai os limites pretendidos e decidisse a questão com o Brasil. Senhor Calderón apresentou essa proposta como um bom exemplo da ignorância paraguaia em assuntos internacionais e da presunção com que, em troca de suas importantes relações, além de seu reconhecimento (da independência) punha uma condição tão insólita. Porém refiro a V. Exa. este caso, como mais uma prova da muito pensada relutância de presidente López em resolver conosco a questão de limite de modo diverso daquele pelo qual teima decidir.
O que dizer?
Excertos tirados do livro em preparo De Francia a Solano López
Correio do Estado
Campo Grande, Mato Grosso do Sul
Sexta-feira, 10.10.1997 e sábado-domingo, 18-19.10.1997

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