domingo, 15 de março de 2015

Relatório 11
do emissário extraordinário, enviado espæcial XYZ ao planeta 3
Em missão urgente buscando inteligência
a dom Piqwỹ Lagarrr Urraur nã-Ữluarurr
governador-geral do sistema Altair
Os nativos do planeta 3 são mesmo engraçados. Acreditam piamente que nalgum lugar no céu, que não sabem onde, existe um velhinho de barba branca onipotente, onipresente e onisciente, que criou a tudo, e a quem vivem puxando o saco todo domingo. Na falta dum nome o chamam Deus, mas que seria muito bonzinho mas também terrível. Segundo os planeta3enses esse velhinho castiga os maus e premia os bons.
Às crianças reservaram outro velhinho de barba branca, gorducho e bonachão, chamado Papai Noel, não tão estapafúrdio mas com superpoderes suficientemente absurdos pra viajar num trenó voador puxado por renas e visitar cada criança boazinha, entrando na chaminé da casa e deixando um brinquedo numa meia pendurada na parede. Como consegue visitar bilhões de crianças numa noite ninguém explica.
Os adultos, que criaram Papai Noel, riem do fato das crianças acreditarem que existe, mas as crianças não podem rir dos adultos crendo no outro velhinho, ainda mais estapafúrdio, pois levariam tabefe.
Os adultos também acham graça das brincadeiras das crianças mas não acham graça quando alguém ri das brincadeiras dos adultos. As crianças parecem ser bem mais sensatas, pois encaram a brincadeira como brincadeira mesmo e sabem usar o faz-de-conta, enquanto os adultos chegam a ter ataque cardíaco torcendo por um bando de marmanjo correndo atrás duma bola, com objetivo de a fazer passar uma linha e balançar a rede. E encaram essa atividade com a maior seriedade, como se fosse coisa muito importante. Até gera mais dinheiro e discussão que arte e literatura!
Ainda mais que as crianças precisam da brincadeira pra desenvolver o cérebro em formação, enquanto os adultos, que não precisam mais disso, a deveriam ter como mero lazer.
Quando cresce, o indivíduo esquece que foi criança e fica ranzinza. Assim, em vez de desfrutar a vida se ofende com tudo e leva tudo a sério demais e não existe momento pra descontração, a não ser quando bebe.
A avareza tomou conta de sua personalidade. Por isso quando as crianças vão desembrulhar um presente não a deixam se divertir abrindo o pacote, porque querem reaproveitar o papel-de-presente pra fazer embrulho no natal do ano seguinte.
Em todo fim de ano as empresas fazem festim de confraternização, que seria a ocasião em que os que não conviveram no trabalho se conheçam, interajam. Mas na prática o que acontece é que cada um que chega, timidamente procura um conhecido de conhecido e ali se enfurna, formando panelinha. Assim o festim nada tem de confraternização, com cada grupo exatamente como era durante o ano.
Nessa tal confraternização fazem uma brincadeira de amigo oculto, que seria uma oportunidade de se fazer mil-e-uma brincadeiras e, claro, confraternização. Mas na prática ninguém se diverte. Tão condicionados a racionalizar estritamente durante o ano inteiro, cada um só escreve a quem tirou e responde a quem escreveu. A maioria não escreve nem responde. Criatividade zero. Só se pensa no presente e, olha a avareza de novo aí, gente!, se fica preocupado em dar um presente bom e receber um ruim. De modo que desperdiçam ocasião de se divertir muito porque não conseguem se livrar da camisa-de-força pragmática racionalista tacanha de durante o ano.
Oras bolas! Longe de ser tão infantil. Se quero tal objeto, o compro!
Outros, porque a bebida é grátis, bebem até cair. Esses ao menos divertem aos outros.
Assim, no dia-a-dia, são muitas as oportunidades perdidas de se fazer graça porque os outros não encaram a vida com bom-humor. Estão sempre apressados, ranzinzas, frustrados...
No planeta 3 o povo evita pôr como governante um pobre porque esse pobre quereria ficar rico e a tentação do poder seria muito grande. Mas quando põem um rico no poder esse rico quer ficar ainda mais rico. O que esse rico fará com tanta riqueza?, se já tem mais que o suficiente prà vida toda! É como alguém que tem 100 mil pares de sapato e acha que usará todos. Depois os herdeiros brigam pra abocanhar tudo, e o estado também fica de olho no que sobrou.
Ainda sem vestígio de inteligência no planeta 3.

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