sábado, 15 de outubro de 2016

 

Crônica buenairense-montevideana, 2016
Capítulo 3
Nariz empinado, corpo empertigado e síndrome de estados-unidos Glamurosa cidade com bancas miseráveis Buenos Aires es leyenda Boa comida em pequenos lugares Esplêndida pitsa A feira central de Campo Grande foi assassinada A suíça americana e as siberianas O oceano de livro e a livraria mais bela Vocabulário argentínico Uma pitada de geopolítica
O caso é que não encontrei o argentino empertigado, de nariz empinado, da visão do livreiro de Bogotá, estereótipo que causa antipatia, além do policial do guichê do aeroporto na chegada.
— Quantos dias ficarás? Qual hotel?…
Então se descuidar os brasileiros viram imigrantes ilegais e ficam morando lá de vez? O inverso ainda vá, mas… então ainda pensam que são a suíça americana? Não é só no Chile que aparece autoridade com síndrome de estados-unidos.
As autoridades é que estragam a imagem dum país, que o povo custou tanto erigir.
Assim como quem estraga um idioma são os gramáticos e os jornalistas.
O que vi foi gente de todo tipo, como aqui e noutros lugares, nada a ver com a imagem estereotipada dos locutores de jogo e futebol na televisão. Cada um muito ocupado em ganhar a vida, sem espaço pra pensar em rivalidades artificiais.
Sorte ter levado uma jaqueta impermeável. Ali, sim, seria a terra da garoa. Finíssima. Parecia espalhada por esprei ou aerossol. Assim fui bater perna, abrigado pelas marquises, andando bem rente, em direção à avenida Rivadavia, onde tem uma praça com banca de livro.
Mas antes achei outra no caminho, quase chegando. Das várias algumas abertas. São daquelas bancas (em castelhano quiosco ou kiosco) antigas, um cubículo de área de cerca de 2×1m2, tão pequena que o banquista não entra, veste. Ali um simpático e atencioso senhor de fisionomia indígena atendeu, puxando cada caixote empilhado separado por gênero, pra eu ver tudo. O pessoal usa criatividade com falta de espaço. Com tanto espaço na praça, as bancas minúsculas, cubículos, praticamente caçambas.
Esporadicamente ventava forte, só um sopro. Então sentia um pouco de frio. Felizmente o sopro era esporádico e assim ficou. Dava dó ver os livros naquele ambiente inóspito, mas milagrosamente os livreiros conseguiam defender suas peças.
No fim fui atrás dum banco pra sacar com cartão. Entrei a uma verduraria pra perguntar. O pessoal ouvia um cliente cantar, certamente um bolero.
Na última encontrei o volume 1 de Buenos Aires es leyenda - Mitos urbanos de una ciudad misteriosa, de Guillermo Barrantes & Víctor Coviello, editorial Planeta. Nos dias seguintes achei os outros três volumes.
Umas quadras a diante cheguei à tal praça da Rivadavia, também com umas e outras bancas abertas. O engraçado é que edições argentinas, como Leoplán, não se acha tão fácil. Narraciones terroríficas, de editorial Molino, que achei em Santiago, Lima e Bogotá, ali não. Billiken na feira de Montevidéu.
É um labirinto de bancas, essas um pouco maior, em condição muito precária. Uma, dum senhor bem velhinho, onde tinha um exemplar de Leoplán, era uma montanha de livros e revistas, dificultando muito garimpar. Tudo rente à garoa. A todo momento despencava um, quase caindo na cabeça. Os livreiros se viravam como podiam, cobrindo com plástico ante a possibilidade de chuva ou garoa com vento. Noutra banca, no oco da lombada dum livro fez morada uma linda aranha branca.
Eu não tinha onde pôr minha pequena sacola de viagem, pois o chão estava molhado em toda parte, tendo de pedir ao banquista a deixar dentro.
A prefeitura deveria melhorar aquela condição precária. Fornecer bancas maiores, fazer um teto geral, nem que fosse de lona. Poderia colocar teto de alumínio, como tem nos estacionamentos de atacadão aqui e nos eventos musicais ao ar-livre. Tal indigência num ponto cultural de referência não deixa de ser vergonhosa.
Campo Grande, num lado, resolveu o problema dos camelôs ambulantes, coisa que São Paulo não conseguiu, os instalando numa área toda coberta, cobertura metálica quente pra danar, mas toda coberta e fechada. O outro lado da moeda é que uma política fiscal truculenta e excessivamente regulamentar tolhe a criatividade e a cidade perde o charme dos ambulantes, como tem em Bogotá, Santiago e Curitiba, por exemplo.
Já o caso da feirona, caso que tanto se gaba, de que foi transferida à antiga estação ferroviária, é mentira! É uma farsa!
Quem conheceu a feirona não se deixa engambelar por essa tapeação.
A feirona foi extinta, extirpada, desmanchada. Foi uma imensa perda cultural da cidade, abafada pela ignorância e alienação dos habitantes e maquiavelismo dos governantes.
É preciso muita imaginação e doses de cachaça pra se convencer de que aquilo é a feira central, e que só mudou de lugar.
O que tem lá na ferroviária são restaurantes padronizados, tudo igual do começo ao fim, um pequeno camelódromo. Verdura e fruta quase nada. Tudo ao gosto da máfia dos supermercados, pra acabar com as feiras.
Um colega de trabalho cuja família é feirante contou que os feirantes são muito ignorantes e desunidos. Não se unem pra defender seu interesse. Assim a máfia supermercadista que nos envenena lentamente deita-e-rola.
Almocei no Mística, Rivadavia 5499, pequeno restaurante-café, onde uma linda e simpática garçonete serviu filé de merluza. Como antepasto sempre uma sopinha, o que caiu muito bem naquele meio frio, e pãozinho com patê. Mas um pãozinho com massa bem rústica. Pra beber tinha pomelo, a laranjona que tenho no quintal. Mas era um refrigerante, certamente artificial. Então a opção teve de ser cerveja. Tinha Quilmes, mas essa, além de ser muito industrial foi comprada pela Brahma. Se continuar abrasileirando eles… Ai, ai!, parodiando a famosa canção, Lloraré por tí, Argentina…
Dali voltei ao hotel em táxi, cerca de 16h. Como o tempo foi se fechando mais decidi dormir pra recuperar as muitas horas de vigília. Sábia decisão, pois doravante fez tempo aberto, sol e temperatura agradável.
Os táxis são muito baratos lá. Só teve um que não sabia ir ao hotel, tão no centro, e me transferiu a um colega que estacionou ao lado num sinaleiro. Por isso é bom levar no bolso as coordenadas GPS do hotel. Sempre que chego de viagem peço um cartão do hotel pra ter sempre no bolso. Assim o taxista já lê nome e endereço rapidinho e não corro o risco de me perder ao esquecer nome e endereço do hotel.
O taxista que falava sobre Brasil e Argentina disse que no Brasil dão valor ao real e não dão bola ao dólar. Que o povo argentino é muito besta, que despreza a própria moeda. Até põe casa a venda em dólar. Um absurdo!
Outro, com fotos de duas lindas indiazinhas de cabelo corrido no porta-luva, suas filhas, disse que tem saudade do tereré, que conheceu com amigos paraguaios. Disse que já entende bem português porque tem muito passageiro brasileiro. Disse que pensou que eu morava ali porque falo fluente. Que se nota sotaque que seria doutra região mas que seria um hispânico.
Os taxista em geral simpáticos, dando dica. Um explicou minuciosamente onde é a grande feira de livro dos domingos e como chegar até lá.
No dia seguinte, um passeio complementar na praça na Rivadavia, pra em seguida correr a outro endereço selecionado. Aquela história de otimizar o processo, tentando um arranjo de maior proveito e economia.
Pra almoçar, como em Lima, se anda muito até achar um restaurante. Quando entrei achei a decoração muito parecida à do Mística. Olhando bem a decoração vi que só podia ser ele. Sem dúvida, quando apareceu a garçonete do dia anterior. Nesse dia tinha fruto-do-mar com arroz, com a sopinha e o pãozinho com patê como antepasto. Uma deliciosa moqueca fumegante numa tigela de barro.
Um desses restaurantes-lanchonete com algo diferente, é o Puerto Rico, Junín 378. Não confundir com o tradicional café La Puerto Rico. À entrada um grande balcão de vidro com grande variedade de omelete, filés à milanesa, tortilhas, coxinhas, todos enormes. Pedi uma tortilha, uma omelete e uma coxinha (coxona) recheada de queijo derretido. Quem viu deve ter pensado que sou um grande comilão, mas já combinara com o garção, comer um pouco e levar o resto.
O Puerto Rico fica quase na Correntes, na altura da 9 de Julho, onde tem muitos sebos. Quer dizer, mais-ou-menos sebos, que infelizmente vão se descaracterizando, uns só com alguma prateleira de usados, outros assumidamente de novos.
Decidi ir a uma pitsaria recomendada na internete, a Güerrín, Corrientes 1368. No balcão da frente estava lotado na tarde mas no fundo tinha bastante mesa vaga. Tem pouca opção se pedir fatia. Mas quê fatia! A massa é mais fina. Tão delicada que nem se nota muito. O queijo estica tanto que se chupa como macarrão quatro vezes antes de quebrar. Nada mau acompanhada de chope numa espessa caneca de vidro.
Nada a ver com as fajutas de Campo Grande, onde fazem um creme na base dalguma gordura vegetal hidrogenada e chamam de 4 queijos, 5 queijos…, que deve entupir coração…
Um conhecido aqui disse que só compra queijo quando vai a Aquidauana, porque os queijos de Campo Grande, ou melhor, Buracópolis, é tudo com amido, maisena, pra dar consistência.
É por isso que se faz dieta, não dá certo, e não se sabe por quê…
O povo sempre tem na cabeça a idéia, espécie de arquétipo, de que é em Bons Ares onde tem mais livro. Nada a ver. A quantidade de livro é comparável a Rio de Janeiro e São Paulo. Nem de longe se compara ao oceano livresco que são Lima e Bogotá.
Pode ser que sejam mais leitores. Na capital são muito educados como pedestres. Mas, como disse Ramão, os argentinos nos hotéis brasileiros são muito mal-educados na refeição.
No livro Historias de Montevideo mágico, o autor disse:
[…] O velho ditado de que somos a suíça americana, onde campeia a razão e a modernidade globalizada do século 21 não impediu nossa gente conservar seus relatos mágicos, ao mesmo tempo reais, e que estaria muito mais perto dos conjuros populares que da fria lógica mercantil e utilitária.
Será que os dois hermanos do cone sul pensam que isso ainda está vigente? É coisa lá do comecinho do século 20. Dizque as duas suíças americanas não tiveram sustentação porque era dinheiro nazista. Dizque… Sei-lá. Não estou suficientemente experto no assunto pra filosofar encima.
É como aquela de que a mulher brasileira é a mais bonita, que usa biquíni minúsculo enquanto as outras são cheias de pano. Esqueças. Já-era. É dos anos 1980. A brasileira, pra-lá de convencida, ficou a trás, comendo poeira.
Me lembro, cerca de 2008, quando passou uma reportagem sobre a Sibéria. Eu disse:
— Rapaz! Cê viu as siberianas? Fiuuuuuu!
— Pois é. Não acredito que a brasileira seja a mais bonita.
A livraria El ateneo grand splendid foi eleita pelo jornal britânico The guardian a segunda livraria mais linda do mundo. A primeira é a livraria a Selexyz dominicanen boekhandel, na cidade holandesa de Mastriste. Um antigo teatro. No fundo, atrás das cortinas abertas, a cafeteria. Quatro andares de sacadas, donde certamente se via a peça com binóculo-de-teatro. http://www.buenosairesturismo.com.br/passeios/livraria-ateneo.php
Diz que o lugar existe por causa duma lei quanto ao patrimônio histórico. Que se não fosse a tal lei o lugar há muito estaria demolido pra dar lugar a algum prédio prafrentex.
Assim como no linguajar gaúcho tem muito hispanismo, na Argentina tem muito lusitanismo. Lá bondi é ônibus, garrafa é garrafa, garrafão, bomboneira, botija, botijão de gás. Às vezes aparecem palavras que não tem no dicionário RAE, real academia espanhola. Tem vez que a custo se acha o significado, pesquisando na internete, como espaguetizar. Num artigo apareceu o termo sobre a matéria espaguetizada num buraco-negro. Significando desmaterializar, moer, decompor, esmagar, com analogia à massa que é amassada, saindo como fios de macarrão.
Mas noutro artigo a manchete Eran feitas niñas, ahora son bellas mujeres (Eram [*?] meninas, agora são belas mulheres). Em castelhano hecho é feito, hacer é fazer. Em nenhuma pesquisa apareceu feita, feitas, feito ou feitos em castelhano.
Se procuras uma loja que vende sacola de viagem ou penduricalho pra pôr nome e endereço na mala, procures uma marroquinería, que originalmente é loja que vende artigo de couro.
Mais um artigo sobre os paraguaios fundando Buenos Aires:
Anos atrás um brasileiro postou um vídeo iutúbico defendendo a tese de que o Brasil nada tem a ver com e não deveria apoiar a reivindicação argentina de posse às ilhas Malvinas. É óbvio que o sujeito nada entende de geopolítica. Uma base da Otã no arquipélago barraria o acesso brasileiro à Antártica.
Espero que Putin não acabe só com o dólar. Também com o inglês como língua-geral.
Um governo mundial é algo muito interessante. O problema é sob quem.


 Coleção de cartão-postal de Joanco
 


segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Iván Martínez (Gran misterio) - Manuel Belgrano

Crônica buenairense-montevideana, 2016
Capítulo 2
O mistério da toalha-de-banho Cadê a arroba? E agora, José: Como sair da conta? Considerações filosóficas sobre cultura e estereótipo Filosofança sobre beleza Paraguaios fundaram Buenosaires
Um lapso de memória e eu disse Morris Albert. O dueto que não seria chorinho mas chorão é Leonardo & Demis Roussos.
No aeroporto buenairense uma opção é o guichê de táxi onde se paga ali mesmo. Tem dois lado a lado. O céu encoberto por grossa capa cinzenta não era seco e dia claro como em Lima. Muito úmido e escurecido como num crepúsculo, como em ocasiões em nosso inverno.
O elevador do hotel Pop pra chegar ao segundo andar parece que foi ao vigésimo. Mais uma sensação de câmera lenta. A porta usa aquele muito prático sistema de cartão magnético onde a energia só liga quando depositado num leitor ao lado do interruptor. Assim o hóspede não precisa entregar chave à portaria ao sair.
A escada (também o de Montevidéu) é de emergência, de modo que o hóspede só tem o elevador. No banheiro só tinha a toalha-de-rosto, dobrada sobre o rodapé do box. Então fiquei na dúvida se era toalha ou tapete. Se não tem a outra, decerto é tapete, pensei, e a deixei no chão depois de improvisar como toalha-de-banho. No dia seguinte apareceu dobrada noutro lugar. Então deve ser toalha mesmo. Só dias depois percebi a toalha-de-banho no míni-armário, onde tem uns cabides. Achei muito bizarro isso: A toalhinha no banheiro e a toalhona no quarto! Será, que por ser frio, o argentino toma só uma ducha e só se precisar toma banho com sabão? Não deve ser, porque o clima é como o do Rio Grande do Sul, e no verão fica muito quente.
Nas viagens em geral notei que os hotéis não usam tapete, exceto os todo atapetados, e são muito carentes em pendurico em banheiro. Não se acha um pino pra pendurar uma cueca, toalha, sacola. E um pedaço de pano servindo de tapete na saída do box é essencial pra não molhar o chão.
Meu quarto tinha três camas. Então é baixa temporada e os quartos ficam sobrando.
Na área diante do quarto e do elevador dois computadores. A área internética. Muito raro ver alguém entrando ou saindo doutro quarto ou ouvir ruído interior. Não vi alguém usando internete. Talvez noutro andar. O movimento na portaria também era escasso.
O desjejum consistia num saquinho de papelão, o típico saquinho pra pão, cuma fita grampeada servindo de alça, contendo um par croassã doce (Eu diria semi-doce. Na verdade é uma variedade de pão-doce), ali chamado medialuna (meia-lua), insosso, com massa mal assada, pendurado na maçaneta da porta às 8h da manhã. Todo dia o mesmo par de enjoativa meia-lua. Não varia. Comprei um potinho de mel, pra ver se melhorava a meia-lua, mas nem assim.
O atendimento na portaria é muito simpático. Não é a cordialidade séria do brasileiro. São sorrisos. Procuram ser simpáticos mesmo. Um me ajudou a comprar a passagem de barco a Montevidéu na internete. Subiu até a área internética e mostrou passo-a-passo como fazer. E já fala português.
Estando no exterior não se deve esperar um teclado ABNT2, é claro. Eu não me lembrava do código ASCII da arroba, por isso tive de perguntar como teclar arroba, pois aparecia no teclado como a terceira opção, que seria com alt-gr mas não funcionava. É bom lembrar que em qualquer teclado, pois é padrão, é alt-64 ou alt-0064 (apertar a tecla alt junto com os números e soltar), então aparecerá @.
O ruim são os teclados de brinquedo, que viraram praga, onde é impossível datilografar. Meu teclado é pesado, teclas firmes e altas, não aquelas chatas e moles, que não respondem e ora batem duplo. É difícil achar teclado de verdade no mercado. Por isso e pelas diferenças de programas instalados em viagem evito ao máximo usar internete. Aquele atendente teve de repor o navegador Cromo (ou Crome, sei-lá), pois o Explórer é obsoleto. Disse que o Cromo deveria estar instalado. Então o repôs. Mas o problema maior é o seguinte:
Pra acessar internete entro em minha conta. Ao terminar saio dela. Então abri o Cromo de novo, pra testar se saiu mesmo. E minha conta abria automaticamente, como se em casa. O jeito era reiniciar mas tinha momento em que avisava que isso derrubaria todos os outros que estavam na linha ali (os outros hóspedes, suponho) e que perderiam tudo não salvo. Felizmente logo mais tinha ninguém. E se fosse alta temporada? Muito incômodo. Mais uma trapalhada dos programadores microssófticos.
Os avisos (também em Montevidéu) não são só em castelhano e inglês mas também em português.
Muito perto, a duas quadras, a avenida Corrientes, imensa avenida que lembra muito o agitado centro paulistano.
A cidade parece mesmo São Paulo. Muito diferente de Bogotá, Lima e Santiago. Mas é uma multidão muito educada. Os carros não avançam contra o pedestre ao virar esquina nem buzinam por qualquer coisinha. Nem sombra daquela buzinação louca de Lima. Os pedestres esperam pacientemente abrir o sinal e atravessam na faixa. Como Ramão disse sobre as filas pra cinema e ônibus: Todo mundo enfileirado. Ninguém é espertinho. Nesse quesito de educação dão banho de 10×0 nos brasileiros.
As figuras dos bonequinhos nos sinaleiros pra pedestre (Todos funcionando, diferente de nossa triste Buracópolis) são brancos, de longe parecendo meio azulados, em vez de nosso costumeiro verde.
O asfalto é liso, sem remendo e sem buraco.
Minha visão foi dum povo educado e simpático. Mas Ramão não gostou muito. A vendedora do sebo Hamurábi, que quando até lá foi e saboreou um alfajor de verdade no café Tortoni, disse que não achou o povo essa simpatia toda.
Era o que estava discutindo com Ramão há pouco. Serão segmentos sociais diferentes? Meu contato foi basicamente com os hoteleiros e livreiros. Quase não fui a loja. Seria como julgar São Paulo baseado só num dia visitando as lojas de tecido dos turcos. Só numa casa de chocolate o vendedor, um senhor gordo, com preguiça até de ir à vitrine confirmar se tem este ou aquele, teve o comportamento típico do vendedor descrito por Ramão, mas o que vi era um evidente caso de distimia.
Um taxista, perguntando sobre Dilma, disse que espera que o Brasil fique bem:
— Temos de reconhecer que o Brasil é o gigante cujos passos são seguidos pelos povos do continente, se queira ou não.
É melhor esquecer toda aquela ambientação idiotizante dos locutores desportivos, pois aquela rivalidade exacerbada é artificial.
Outro taxista é fã de Ayrton Senna. Disse que o cara era especialista em pista molhada. Enquanto todo mundo penava na pista molhada, Senna fazia gato-e-sapato. Eu disse que Senna é o bruceli da fórmula 1. Bruce Lee e Ayrton Senna são dois exemplos de quem se propôs a atingir o ápice em sua arte, a ser o melhor possível, a canalizar a vida nesse único objetivo.
Não vi o argentino típico do futebol: Cabeludo e narigudo. Deve ser dalguma etnia patagônica mais comum noutra região.
Em 1991, quando estive em Florianópolis, a praia era um deslumbre. Os biquínis pequeninos, mesmo sem ser de bolinha amarelinha, e gatas de cair o queixo, monumentos ambulantes, como dizia Joanco. Quando voltei, em 1993, tudo descaracterizado. Nada de gatas deslumbrantes. Os biquínis grandes e a todo lado os narigudos cabeludos.
Beleza é simetria. Muitas vezes é um conceito pessoal. Se fores à Alemanha ou Suécia, por exemplo, verás que não é todo mundo bonito. Associar beleza à cor da pele ou do cabelo é típico da imaturidade, de quem vive quase só na imaginação. As bogotanas, com traços bem indígenas, bem branquinhas, são lindas, como são muito lindas as limenhas, indiazinhas mais escuras, como as tipo índias do Xingu, de Belém do Pará, igualmente lindas. Mas em Santiago, Buenosaires e Montevidéu não vi essa beleza, talvez porque se aproxime do comum ao que estamos acostumados.
Vi na comunidade internética Taringa alguns comentários, e até postagens, bem nazistóides, falando de arianidade, tendo a Argentina como branca, etc. Mas não é o caso de polemizar. É um trabalho pra psiquiatras e a polícia.
Pelo que vi em Buenosaires, não tem essa brancura toda que alguns imaginam. Batendo perna a todo lado se vê uma população variada como do centro de São Paulo ou mesmo de Campo Grande.
Quando escaneei Fantástica ilha de Páscoa, de Francis Mazière, comentei com minha correspondente chilena sobre a afirmação do autor de que o Chile é um país branco. Concordou comigo de que essa idéia é real só na imaginação do autor.
Os negros tiveram participação ativa na formação dos países platinos. Nas guerras também. Tal qual os escravos brasileiros, formando grosso contingente na linha-de-frente na guerra do Paraguai. O tango, por exemplo, tal qual o jaz, é de origem negra. E o Carnaval montevideano tem muito a ver com o brasileiro. Mas onde estão os negros? Muito simples: Diluídos na população, miscigenados. Como em Minas Gerais, muito miscigenado, onde predominam moreninhas de pele parda muito lindas.
Eis um artigo, mostrando que Buenosaires foi fundada por paraguaios:

Coleção de cartão-postal de Joanco
 

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Formato muito grande. Teve de ser fotografado
É um quadrinho que se destaca pela qualidade criativa do enredo, mais verossimilhança histórica (embora nem tanto), sem balão nem valentia exagerada.
Os enredos são muito criativos, fugindo um pouco do clichê dos quadrinhos em geral: O excesso de valentia. Apesar do cuidado do autor, Haroldo Foster, em cuidar muito o cenário e vestuário conforme a realidade histórica, os enredos vão do mais ao menos verossímil, chegando ao inverossímil, e descamba muito à fantasia, principalmente pondo em cena rei Artur, távola redonda, Camelote e mago Merlim, que são personagens fictícias.
Essas personagens lendárias são de era muito anterior à medieval. Sprague de Camp, em Cidadelas do mistério, disse que situar o rei Artur, que nunca existiu, na idade média, com sua cavalaria andante, é um anacronismo como imaginar Colombo desembarcando na América com aviões e helicópteros.
Aqui o contato escandinavo-pele-vermelha é apresentado como origem do mito do deus branco entre os ameríndios.
A viagem dos viquingues à América, embora aqui em contexto fantasioso, é um fato histórico. A chegada dos viquingues coincidiu cuma revolução nos costumes e intensa transformação social nas tribos pele-vermelha.
A incursão da Grinçante: Inaugurada pela viagem de Leif no ano 1000, a história da América viquingue termina com a incursão da Grinçante, efetuada nos anos 1354–1362. Já não se trata da busca a um paraíso mas trazer de volta as ovelhas desgarradas da Igreja.
Pierre Carnac, A Atlântida de Cristóvão Colombo




Coleção de cartão-postal de Joanco

 

domingo, 2 de outubro de 2016

Cambate
(Deve ser a refarma artográfica)
+ cancer
e o ponto final
Crônica buenairense-montevideana, 2016
Capítulo 1
Bons Ares O quê é argentina O carrinho do cansa-mão Susto na chegada 98%∞
Buenos Aires e Montevidéu ficam pertinho. Então deu pra matar dois coelhos duma cajadada. Uma semana em Bons Ares e um fim-de-semana em Montevidéu. Nada mau.
Sobre a etimologia buenairense parece que os nativos não sabem. Só se supõe o óbvio: Que é por causa dalgum vento fresco.
Argentina: Variedade de calcita branca, nacarada, formando lamelas onduladas. Do latim argentinus, prateado, pela cor e brilho. Não confundir com argentita.
Argentita: Sulfeto de prata, Ag2S, com 87,1% de prata, importante fonte desse metal. Dimorfo cúbico da acantita, tem cor cinzenta, brilho metálico, é séctil e maleável. Dureza 2,0–2,5. D 7,30. Do latim argentum, prata. Não confundir com argentina.
Ramão brincará um pouco pra que a gata Christie não sinta muito minha falta, e uma dose extra de ração, pois agora aparece um amigo, um gato preto, que aparece pra filar ração, sempre ronronando triste. Chora mais que dueto de Leonardo com Morris Albert.
Do aeroporto de Buracópolis, antiga Campo Grande, na madrugada de 6 de setembro, a Guarulhos, pra passar um dia inteiro. Cum livro de sudoco difícil o dia passou célere. No mais os mesmos golpistas de sempre, assediando quem passa perto do balcão, pra fingir brindar uma maleta e angariar assinatura pra Veja, etc. Não se pode passar perto do balcão desse pessoal, que fica mosqueando igual os vendedores de fruta do mercadão paulistano.
Além da feiúra, desconforto e desumanidade do ambiente, com tanto espaço mas sem bagageiro nem pousada, tem os carrinhos novos. Um novo sistema, que só destrava a roda quando se aperta o guidão. Mas o problema é que tem de apertar pra valer. Como brasileiro não gosta de manutenção, virou o carrinho cansa-mão. Só trocou a tortura de segurar mala pesada pela de apertar forte o guidão pràs rodinhas deslizarem. Trocou 6 por meia-dúzia. Na próxima viagem terei de levar uma morsa na bagagem-de-mão. Quero achar o engenheiro autor dessa idéia, pra dar uns cascudos. Merece o troféu Burro.

Esse engenheiro deveria trabalhar na Microsoft, já que é bom em melhorar uma coisa mas estragar outra. No Windows 10 a busca, que era super eficiente, não funciona mais. Ficou misturada com a busca internética, uma barafunda infernal onde nada mais se acha.
Um carrinho que só anda com o peso da mão dalguém segurando, pra não desembestar numa ladeira. Parece uma idéia boa, mas não aqui, onde ninguém quer inovar nem fazer manutenção. Os primeiros que vi, em Santiago, eram novos, suaves, bem lubrificados, liberando as rodas sob o natural peso das mãos. Mas esses nossos, verdadeiras mulas empacadas, devem ser refugo importado de lá, muito piores que os de supermercado.
Nos horríveis telões o lema Vás ao cinema. Deixa óbvio que o público dos cinemas está caindo. Espero que continue caindo, pois só gente alienada vai ver tanto lixo.
Como nas outras vezes, vez-e-outra soava o aviso, uma voz feminina avisando em português e castelhano, pra não comprar de ambulante no âmbito do aeroporto. Assim se colabora evitando produtos irregulares e exploração infantil. Na verdade é só pra proteger os comerciantes dali, com produtos caríssimos, explorando o viajante. Todo mundo sabe que em xópim e aeroporto é tudo muito caro e muito ruim.
Aquilo é uma gravação. Não é alguém falando ao vivo, de improviso. Não seria difícil colocar uma moça que fale um castelhano natural em vez do sotaque forte duma óbvia brasileira que nunca falou castelhano. Na descida na vinda o comandante anunciou a chegada num português quase sem sotaque, e não era gravação.
Outra coisa esquisita é que quando se faz o chequim e se recebe ali a passagem com número de portão, quando se vai ao embarque se tem de ficar sempre conferindo esse portão no telão, pois raramente ele não muda! Algumas vezes se tem de ir longe, correndo, ao novo portão!
Se não cápsula pra dormir, ao menos pra guardar bagagem. Seria um filão rendoso, pois muita gente fica muitas horas presa ali por causa da bagagem, quando poderia ter mais mobilidade ou mesmo ir passear na cidade. Como nossos políticos e empresários são cegos!
Nessa viagem muita aventura. Na comunidade Taringa uma postagem sobre as aerolinhas dizia que a Aerolíneas argentinas é a pior de todas. Deve ser, porque uma atendente do chequim consultou meu papel no sistema e me direcionou à Gol, dizendo que é a Gol quem opera aquele trecho, de Guarulhos a Buenos Aires. E a Gol disse que não. Que nalguns casos é, noutros casos não. Não era.
O caso era que minha passagem foi comprada na Edestinos. Se perdesse o vôo teria de comprar tudo de novo, pois o sistema derruba toda a passagem restante.  Ainda compensa, pois a Edestinos encontra promoções que nem a própria aerolinha tem. É como um investimento: Se pode ganhar num período e nalguns momentos perder. Se não ficar perdendo vôo, compensa.
Agora, rumo a Bons Ares. Deve ser o primeiro lugar sem alguém dizer que não gosta de argentino.
A chegada, na madrugada, foi uma aventura. Quando já despontavam as luzes da cidade e a roda já tocava o chão, o avião arremeteu. O pessoal gritou de susto e começou a rezar. Logo soou um aviso de que tudo foi por causa dum vendaval. Suspiros de alívio. O avião ficou meia hora dando volta. Claro que também o fato de que o piloto tem de esperar nova autorização de pouso, pois nesse intervalo pode estar chegando outro avião. Quando corriam gotas na janela dava pra pensar que estava descendo, pois nuvem fica baixo, mas logo subia de novo. Era uma espessa camada de nuvem cinzenta, como conferi ao chegar, com insistente garoa fina, que ofuscava as luzes da cidade, mas sem raio. A cada volta aparecia uma grande bola de luz fosca.
— Aiaiai! Só faltava ser caçado por um ufo! Gosto de ler e assistir esses casos de mistério e enigma mas não quero ser personagem.
Era só um ponto onde estava a cidade ao longe, ofuscada pelas nuvens.
Quando finalmente pousou foi um aplauso geral.
Se sabe que os momentos mais vulneráveis num vôo são a partida e o pouso.
Dali entramos numa jardineira (deve ser o nome daquele ônibus que mais parece bonde, pra transportar passageiros dentro do aeroporto), em direção à esteira de bagagem. Ali um grupo de brasileiros rumo a Uxuaia não queria continuar viagem imediatamente, assustado. Dizia que as aeromoças estavam brancas de susto, que decerto aquele susto foi o primeiro.
No salão das esteiras nada de telão indicando o número de vôo e o número de esteira correspondente, de modo que eu corria duma a outra. Numa o grupo de brasileiros: É aqui, não é aqui…
Os carrinhos estavam longe mas estavam lá. Felizmente não são do tipo cansa-mão. Até agora Bogotá é o único com a esquisitice do carrinho ser pago.
Foi outra meia hora até a esteira funcionar. Deu até pra pensar que na verdade morremos e que passaríamos a eternidade ao redor da esteira. Enquanto isso um funcionário de casacão, que era sósia de Murilo Rosa naquela minissérie onde representava um tenente que caçava Lampião, orientava o pessoal, com voz estentórea, perguntando quem é da conexão tal, da outra tal… A todo momento subia à esteira pra explicar os procedimentos e responder às perguntas.
Fiquei pensando como seria se a esteira começasse a funcionar de repente…
E o grupo de brasileiros… A moça contando que uma pista tal dava muito acidente. Estudaram o caso e descobriram que a pista tinha muito defeito porque foi feita apressada, pra cumprir prazo. Que já passou susto assim, que o pai não deixou mãe e irmãs voarem juntas, porque se a nave caísse ficaria sozinho. Que se perdesse a família preferiria ir junto, porque não queria ficar sozinha no mundo…
Fiquei pensando na bobeira que é pensar assim. Já passei isso… Mas isso é outra história.
O primeiro dia na cidade foi de céu cinzento, garoa e frio.
Fim do primeiro capítulo
Agora liberarei espaço no gemeio, porque prometem espaço infinito mas aparece a mensagem 98% cheio. Liberar espaço ou comprar espaço adicional.
98% de infinito é infinito, mas decerto os gemeeiros fugiam da aula de matemática.
Não é só político que promete mas não cumpre.