Deturpação deturpa som
Certa vez, no Jô, um cientista falava sobre o eletro-choque. Dizia que a concepção original era um choque mínimo, poucos amperes, apenas pra estimular as células. Conceito que acabou degenerando à tortura de choque pra valer, que arrepiava quem imaginasse um parente submetido a tal tratamento que mais parecia saído dum filme de Bóris Karloff, Bela Lugosi e Vincent Price.
Como esporte: É saudável como lazer, se movimentar. Mas daí a ficar 90 minutos correndo atrás duma bola num campo enorme ou se matando pra ganhar medalha vai enorme diferença. E assim cada um pode colecionar itens que a considerar deturpação, pois são míriade.
Hoje tive, em milésima vez, reclamar no supermercado. Virou uma praga em Campo Grande (Misericórdia! Espero que seja só aqui!), principalmente nos supermercados, deixar tocando rádio, sempre mal-sintonizado, de vez em quando com umas músicas irritantes e a não menos irritante tagarelice típica desse meio de comunicação. Teve vez que larguei as compras e saí com as mãos tapando os ouvidos e não voltando tão cedo. Se fosse só num mas é uma praga geral. Tem um cujo som fica na seção horti-frúti-granjeiro. Um dia estava catando, alho quando o funcionário, no alto da sacada, ligou o som. Gritei a ele: Putz! Já vem esse som alto. Não dá vontade de fazer compra e sim de ir embora correndo! O outro funcionário tirou o sarro no colega: Toma! Quem manda ficar ligando essa coisa! Mas não adianta. Todo dia é essa barulheira. Então fui à administração, reclamar e explicar o engano que cometem.
Satã é tecnologia sem ciência. É que o sindicato, ou melhor alguma anta-de-chifre que dirige o sindicato, ouviu falar, ou viu nalgum jornal, porque ler não deve ser, que a música distrai o cliente e o induz a comprar mais. É o mesmo raciocínio de ouvir dizer que remédio cura, então ir a uma farmácia e comprar um monte de remédio, ao azar, e se empanturrar de comprimidos e xaropes. Cada tipo de comprimento de onda produz um efeito poderoso na psique. O som é uma das forças mais poderosas e sutis da natureza. Falarei disso noutro artigo. Mas tem de ser dosado, a onda certa, e varia pra cada pessoa. Não é a panacéia universal que o sindicato ingenuamente imaginou.
Se bem que pra mim foi melhor porque antes eu passeava com o carrinho, olhava cada corredor, pensava, ia, voltava, pegava a lista de compra, ficando exposto à propaganda subliminar, caso existisse de forma competente. Agora vou correndo comprar apenas uns itens necessários, numa compra-relâmpago. Meu bolso agradece à burrice do sindicato.
Ninguém merece passear o carrinho de compra tendo de ouvir Chitãozinho e Xororó, Ivente Sangalo, Daniela Mercury, algum roque pauleira ou uma daquelas pope-modernas chatas e enjoativas. Aqui tem uma pitsaria com músicos ao-vivo que começam a tocar às 18h. Mas tão alto que não se consegue conversar.
Teve uma época que até no sebo estava tocando música alta. Tinha um provador pro cliente ouvir os elepês antigos. Achei aquilo surreal. Sebo é livraria, lugar de leitura, de flolhear, saborear os livros. Até ali tem de ficar ouvindo música? Felizmente o sebista teve o bom-senso de instalar um fone-de-ouvido ali. Então o sebo voltou a seu bucolismo gregoriano... até que a loja em frente começou a tocar música alta.
Quando ouço música paro pra fazer só aquilo. Não dá pra ouvir fazendo algo, porque a música não deixa a gente pensar. Música demais emburrece porque não deixa a gente pensar. É por isso que os obscurantistas promovem tanto essas músicas degeneradas e procuram extinguir a leitura. É por isso que barateiam os discos e encarecem os livros.
A bizarrice persiste porque ninguém reclama.
Na próxima ida ao camelódromo trarei um fone-de-ouvido pra, jocosamente, presentear o funcionário metaleiro-sertanejo do supermercado.
Ano passado abriu um supermercado aqui em Sobradinho-DF que irradiava no som as orações católicas feitas ao vivo numa sala qualquer.
ResponderExcluirSó voltei lá, quando pararam de fazer aquilo. Acho que os evangélicos reclamaram.
Tem outro aqui que coloca músicas gospel.
Virou uma praga.
Olha meu amigo, não é só em supermercado essa praga não é em todo lugar, eu sou contra essa barulheira, tira a concentração, odeio quando vou a uma lanchonete ou pizzaria e tenho que aguentar o som alto seja de qualquer tipo de música, ninguém consegue falar ou entender o outro a não ser alto... Odeio isso.
ResponderExcluirRealmente...
Virou uma praga.