segunda-feira, 29 de abril de 2013

A língua esculhambada
Por uma gramática superior
Minha praia é mesmo a de ciências exatas. Comecei um curso de pedagogia e não deu pra engolir a coisa.
Primeiro as provas muito subjetivas. Interpretar conceitos da matéria estudada, respondendo a perguntas dúbias. Tudo muito subjetivo, de modo que estará certo conforme a boa-vontade do professor.
Em vão procurei um requisito que justificasse ser aquilo um curso superior, pois são matérias que se vê em qualquer curso elementar. Nenhuma abordagem muito avançada nem muito erudita. Nenhuma técnica avançada pra se ministrar com o ensino, conceitos novos de psicologia. Nada. Só o que caracteriza ser aquilo um curso superior é o fato de ser apresentado e reconhecido como tal.
Matemática não é ministrado ali!
Na matemática superior temos cálculo diferencial e integral, transformada, limite... Na gramática só repetição.
Não sei qual o sentido de se estudar gramática num curso pretensamente superior, se tudo o que se faz é repetir tudo o que já se estudou na escola.
A gramática do ginásio, com suas complicadas e emboladas dissecações de oração, é muito mais avançada!
Vejamos um esboço do que seria uma gramática superior:
1 ● Princípio da coerência. Não violar a lógica, o tempo verbal nem a concordância, evitar a múltipla negação.
Manchete de jornal costuma bagunçar o tempo verbal: Paulo é preso e diz:, em vez de Paulo foi preso e disse:. Em 1811 o marquês se mudou à casa construída há 300 anos. Então a casa tem 300 anos. Se a casa tinha 300 anos na época referida, então teria de se dizer Em 1811 o marquês se mudou à casa construída havia 300 anos.
Muitas vezes vemos, por exemplo, numa reportagem sobre os anos 50: O ex-presidente Juscelino... Ora! Se está sendo focada uma época, então é presidente. Ex- presidente quando focando a época quando deixou de ser presidente. Vejas o pesado que ficaria: Ex-rei Henrique VIII, ex-imperador Júlio César...
Ex-União Soviética. Menos ilógico seria União ex-soviética. Não existe nem existiu país ou império chamado Ex-União Soviética. O mesmo critério acima pra presidente. Correto seria A federação russa, ex-união soviética...
Quando se diz, usando jamais de forma viciosa, Este é o maior avião jamais construído. Então esse avião não existe, porque jamais foi construído! A frase deveria ser Este é o maior avião já construído.
2 ● Princípio da simplificação. Eliminar palavras supérfluas, preferência ao singular, usar apenas um verbo, redigir com objetividade.
Vício de dupla referência: A João lhe foi dito que..., Se agrediu a si mesmo (além da dupla referência o mesmo supérfluo)
Outros supérfluos viciosos: Qualquer, sequer.
Não encontrou qualquer referência
Não conseguiu uma referência sequer
Não usar verbo extra desnecessariamente:
Havia tido um defeito à Tivera um defeito
Notar que se usou o verbo ter duplicado, haver = ter, + tido
Não haveria de fazer isso à não faria isso
Chegam a usar 3 em 1!:
Logo iremos estar atendendo à Logo atenderemos
3 ● Observar a estética. Dar tratamento homogêneo e coerente à redação (isografia, isofonia).
João costuma passear à noite mas ontem passeou de tarde
Essas formas de frescura gramatical, À noite, de tarde, são produto de esnobismo gramatical equivocado. Parece elegante mas é errado. Primeiro notemos o tratamento heterogêneo a vocábulos-irmãos, noite e tarde. Noutras redações outras formas igualmente esdrúxulas, pela manhã. Além de ser anti-estético.
Observando o princípio da coerência vemos que o sujeito está contido na manhã, na tarde, na noite, no dia, etc. Está dentro. Então João costuma passear na noite mas ontem passeou na tarde.
Não sei pra quê os professores cobram tanto o aluno declamar conjugação, se depois todo mundo escreverá de forma esculhambada. O professor: Fulano, recitar o verbo andar no presente do indicativo. E o aluno: Eu ando, tu andas, ele anda, nós andamos, vós andais, eles andam.
Pra quê? Se nunca usam, e quando usam, usam errado! Então paremos de torturar as criancinhas. Se é, como alguns gramáticos dizem na tevê, o certo é como se usa, não precisa de professor nem gramático. Ambos ficarão sem emprego e nos entenderemos como pudermos.
Esqueceste a conjugação? Então relembres, pra não escrever besteira.
De onde você vem e para onde vai?
Analisemos esta esfarrapada frase. Primeiro eliminar a frescura gramatical de fazer questão de de onde, em um, etc, purismo exagerado. Então não é Na cidade e sim Em a cidade. O charme da língua portuguesa é justamente essa aglutinação harmoniosa, sem apóstrofo, que dá mais elegância e beleza à frase. Em segundo lugar o vocábulo você não existe no português culto, e de tão popularesco só serve pra bagunçar a conjugação e é supérfluo. Terceiro que o vocábulo para indica atribuição, não direção. Evitemos o uso vicioso desse vocábulo.
Eu venho, tu vens. É assim a conjugação do verbo vir. É assim que se fala com a segunda pessoa (com quem se fala). Vem e vai se referem à terceira ou quarta pessoa.
A frase, melhorada:
Donde vens e aonde vais?
Mas ainda há problema na frase. Por exemplo, vou, vai, vão, etc, não são futuro e sim presente. É um uso vicioso do verbo vir. Observando a conjugação obteremos a frase devidamente restaurada:
Donde vieste e aonde irás?
Ha erro de estética que na verdade são erros lógicos, como a negação de ordem par.
Quando dizemos Não encontrou qualquer referência. Alguém pode dizer Mas então pode ter encontrado determinada referência. Qualquer referência é uma referência fortuita, ao acaso, não específica. É por isso que se deve evitar esse tipo de vício.
Outras formas do vício: Não encontrou nenhuma referência, Não encontrou a mínima referência, Não encontrou a menor referência, Não encontrou sequer referência... Deveríamos oferecer um troféu à forma mais esdrúxula.
O uso aleatório de pronome é outro problema: Demóstenes afirmou que é amigo de Cachoeira e que este é o pior momento da vida dele.
Na oração Demóstenes é a terceira pessoa e Cachoeira a quarta. Dele se refere à quarta pessoa, pra se referir à terceira teria de ser seu. Portando está dizendo que é o pior momento da vida de Cachoeira. Se quisesse dizer que é o pior momento da vida de Demóstenes, teria de dizer Demóstenes afirmou que é amigo de Cachoeira e que este é o pior momento de sua vida.
Imagines Carlos contando a Pedro o seguinte: Ontem vi Susana chamar sua mãe e tirar da pasta minha caneta, teu lápis, seu isqueiro e a revista dela.
Carlos viu Susana chamar a mãe de Susana e tirar da pasta a caneta de Carlos, o lápis de Pedro, o isqueiro de Susana e a revista da mãe de Susana.
É assim que se usam os pronomes, de forma referencial-posicional.
Pra verificar se uma frase está bem construída a podemos decompor. Assim o erro de crase, muito comum em Portugal, se evidencia, como à = até a:
Chegou até à borda à Chegou até a a borda à chegou até até a borda
A repetição ressaltou o erro da frase. Portanto não pode ter a crase. Idem ao:
Chegou até ao limite à Chegou até a o limite à chegou até até o limite
Na frase Choverá por pelo menos uma semana, como pelo = por o, temos:
Choverá por por o menos uma semana. Portanto a frase está mal construída.
A frase correta, mais simples e elegante: Choverá ao menos uma durante semana.
Quando lemos num livro uma referência a outro livro e o autor diz este livro, está errado, porque este livro é o livro que o leitor está lendo. Deveria dizer esse livro.

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