A língua esculhambada
Por uma gramática superior
Minha praia é
mesmo a de ciências exatas. Comecei um curso de pedagogia e não deu pra engolir
a coisa.
Primeiro as
provas muito subjetivas. Interpretar conceitos da matéria estudada, respondendo
a perguntas dúbias. Tudo muito subjetivo, de modo que estará certo conforme a
boa-vontade do professor.
Em vão
procurei um requisito que justificasse ser aquilo um curso superior, pois são
matérias que se vê em qualquer curso elementar. Nenhuma abordagem muito avançada
nem muito erudita. Nenhuma técnica avançada pra se ministrar com o ensino,
conceitos novos de psicologia. Nada. Só o que caracteriza ser aquilo um curso
superior é o fato de ser apresentado e reconhecido como tal.
Matemática não
é ministrado ali!
Na matemática
superior temos cálculo diferencial e integral, transformada, limite... Na
gramática só repetição.
Não sei qual o
sentido de se estudar gramática num curso pretensamente superior, se tudo o que
se faz é repetir tudo o que já se estudou na escola.
A gramática do
ginásio, com suas complicadas e emboladas dissecações de oração, é muito mais
avançada!
Vejamos um
esboço do que seria uma gramática superior:
1 ● Princípio da coerência. Não violar a
lógica, o tempo verbal nem a concordância, evitar a múltipla negação.
Manchete de
jornal costuma bagunçar o tempo verbal: Paulo é preso e diz:, em vez de Paulo foi
preso e disse:. Em 1811 o marquês se mudou à casa construída há 300 anos.
Então a casa tem 300 anos. Se a casa tinha 300 anos na época referida, então teria
de se dizer Em
1811 o marquês se mudou à casa construída havia 300 anos.
Muitas vezes
vemos, por exemplo, numa reportagem sobre os anos 50: O ex-presidente Juscelino...
Ora! Se está sendo focada uma época, então é presidente. Ex- presidente quando
focando a época quando deixou de ser presidente. Vejas o pesado que ficaria:
Ex-rei Henrique VIII, ex-imperador Júlio César...
Ex-União
Soviética. Menos ilógico seria União ex-soviética. Não existe nem existiu país
ou império chamado Ex-União Soviética. O mesmo critério acima pra presidente.
Correto seria A
federação russa, ex-união soviética...
Quando se diz,
usando jamais de forma viciosa, Este é o maior
avião jamais construído. Então esse avião não existe, porque jamais foi
construído! A frase deveria ser Este é o maior avião já construído.
2 ● Princípio da simplificação. Eliminar
palavras supérfluas, preferência ao singular, usar apenas um verbo, redigir com
objetividade.
Vício de dupla
referência: A
João lhe foi dito que..., Se agrediu a si mesmo (além da dupla referência o mesmo supérfluo)
Outros
supérfluos viciosos: Qualquer, sequer.
Não encontrou qualquer
referência
Não conseguiu uma
referência sequer
Não usar verbo
extra desnecessariamente:
Havia tido um
defeito à
Tivera
um defeito
Notar que se
usou o verbo ter duplicado, haver = ter, + tido
Não haveria de
fazer isso à não faria isso
Chegam a usar
3 em 1!:
Logo iremos
estar atendendo à Logo atenderemos
3 ● Observar a estética. Dar tratamento
homogêneo e coerente à redação (isografia, isofonia).
João costuma
passear à noite mas ontem passeou de tarde
Essas formas
de frescura gramatical, À noite, de tarde, são produto de esnobismo
gramatical equivocado. Parece elegante mas é errado. Primeiro notemos o
tratamento heterogêneo a vocábulos-irmãos, noite e tarde. Noutras redações
outras formas igualmente esdrúxulas, pela
manhã. Além de ser anti-estético.
Observando o
princípio da coerência vemos que o sujeito está contido na manhã, na tarde, na
noite, no dia, etc. Está dentro. Então João costuma passear na noite mas ontem
passeou na tarde.
Não sei pra
quê os professores cobram tanto o aluno declamar conjugação, se depois todo
mundo escreverá de forma esculhambada. O professor: Fulano, recitar o verbo andar no presente do indicativo.
E o aluno: Eu
ando, tu andas, ele anda, nós andamos, vós andais, eles andam.
Pra quê? Se
nunca usam, e quando usam, usam errado! Então paremos de torturar as
criancinhas. Se é, como alguns gramáticos dizem na tevê, o certo é como se usa,
não precisa de professor nem gramático. Ambos ficarão sem emprego e nos
entenderemos como pudermos.
Esqueceste a
conjugação? Então relembres, pra não escrever besteira.
De onde você
vem e para onde vai?
Analisemos
esta esfarrapada frase. Primeiro eliminar a frescura gramatical de fazer
questão de de onde, em um, etc, purismo exagerado. Então não
é Na cidade e sim Em a cidade. O charme da língua
portuguesa é justamente essa aglutinação harmoniosa, sem apóstrofo, que dá mais
elegância e beleza à frase. Em segundo lugar o vocábulo você não existe no
português culto, e de tão popularesco só serve pra bagunçar a conjugação e é
supérfluo. Terceiro que o vocábulo para
indica atribuição, não direção. Evitemos o uso vicioso desse vocábulo.
Eu venho, tu
vens. É assim a conjugação do verbo vir.
É assim que se fala com a segunda pessoa (com quem se fala). Vem e vai se referem à terceira ou quarta pessoa.
A frase,
melhorada:
Donde vens e aonde
vais?
Mas ainda há
problema na frase. Por exemplo, vou, vai, vão, etc, não são futuro e sim
presente. É um uso vicioso do verbo vir. Observando a conjugação obteremos a
frase devidamente restaurada:
Donde vieste e
aonde irás?
Ha erro de
estética que na verdade são erros lógicos, como a negação de ordem par.
Quando dizemos
Não
encontrou qualquer referência. Alguém pode dizer Mas então pode ter encontrado
determinada referência. Qualquer referência é uma referência fortuita,
ao acaso, não específica. É por isso que se deve evitar esse tipo de vício.
Outras formas
do vício: Não
encontrou nenhuma referência, Não encontrou a mínima referência, Não encontrou a
menor referência, Não encontrou sequer referência... Deveríamos
oferecer um troféu à forma mais esdrúxula.
O uso
aleatório de pronome é outro problema: Demóstenes afirmou que é amigo de
Cachoeira e que este é o pior momento da vida dele.
Na oração
Demóstenes é a terceira pessoa e Cachoeira a quarta. Dele se refere à quarta pessoa, pra se referir à terceira teria de
ser seu. Portando está dizendo que é
o pior momento da vida de Cachoeira. Se quisesse dizer que é o pior momento da
vida de Demóstenes, teria de dizer Demóstenes afirmou que é amigo de Cachoeira e que este é o
pior momento de sua vida.
Imagines
Carlos contando a Pedro o seguinte: Ontem vi Susana chamar sua mãe e tirar da pasta minha
caneta, teu lápis, seu isqueiro e a revista dela.
Carlos viu
Susana chamar a mãe de Susana e tirar da pasta a caneta de Carlos, o lápis de
Pedro, o isqueiro de Susana e a revista da mãe de Susana.
É assim que se
usam os pronomes, de forma referencial-posicional.
Pra verificar
se uma frase está bem construída a podemos decompor. Assim o erro de crase,
muito comum em Portugal, se evidencia, como à
= até a:
Chegou até à
borda à
Chegou
até a a borda à chegou até até a borda
A repetição
ressaltou o erro da frase. Portanto não pode ter a crase. Idem ao:
Chegou até ao limite
à
Chegou
até a o limite à chegou até até o limite
Na frase Choverá por
pelo menos uma semana, como pelo
= por o, temos:
Choverá por por
o menos uma semana. Portanto a frase está mal construída.
A frase
correta, mais simples e elegante: Choverá ao menos uma durante semana.
Quando lemos
num livro uma referência a outro livro e o autor diz este livro, está errado,
porque este livro é o livro que o
leitor está lendo. Deveria dizer esse livro.
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