A língua esculhambada
Miscelânea 1
● A mania de
falar difícil está incrustada na cabeça do povo. O novo modismo do falar
pomposo é visualizar. Ninguém mais
vê, não tem visão nem vista. O chique é visualizar. Santa frescura! Visualizar não é sinônimo de ver. Visualizar significa tornar visual.
Por exemplo: A NASA recebeu uma imagem dum satélite mas está toda codificada em
números binários, 0 e 1. Então o cientista roda um programa pra decodificar a
imagem, pra que se torne visual, como uma fotografia. Isso é visualizar.
Presenciar também não é sinônimo de ver mas de estar presente. Ver através duma luneta, tevê ou internete não é
presenciar.
No cotidiano
podemos constatar umas tantas dessas bestices, especialmente na publicidade,
que é o reino do pomposo, da poesia apelativa. Ali se costuma dizer que um
produto é diferenciado quando se quer
dizer que é diferente dos outros. Mas
diferenciado não é sinônimo de diferente. Diferenciar é estabelecer uma
diferença onde essa diferença não existe ou não aparenta. Entre duas coisas que
parecem idênticas mas não são, diferenciar é estabelecer um critério pra não as
confundir. Diferenciado é algo que foi tornado ou considerado diferente. Por
isso se diz que o diferencial de tal empresa é a rapidez na entrega. Por
exemplo, dois copos com água aparentemente idênticos. Se estabelece uma
diferença levando em conta a salinidade, a temperatura, etc.
Outra pérola
desse linguajar afrescalhado é vivenciar,
que não é sinônimo de viver mas que
significa experimentar vivendo, vestindo
a pele, empatia. Vivenciar é experimentar viver. Dali a expressão ter
vivência, ter experiência, ser macaco-velho, ser puta-velha, etc. Assim como se
algo foi aportuguesado, obviamente agora é português, mas aportuguesado não é sinônimo de português.
Colorir é
atribuir cor. Colorizar seria recuperar a cor original. Quando um filme sem cor
é dito colorizado, o seria se com algum processo se pudesse resgatar as cores
tal qual a filmagem fosse originalmente colorida. Mas na realidade se faz um
estudo e se colore cada item com a cor considerada mais adequada. Portanto
esses filmes não foram colorizados e sim coloridos.
Operacionalizar
é tornar algo operacional, não é sinônimo de operar.
Ficcional não
é fictício. Ficcional é relativo à ficção. Literatura ficcional é a não
realista, de ficção, não necessariamente fantasia. Literatura fictícia é uma
literatura irreal, que não existe na literatura. O Necronomicão, de Lovecraft é literatura fictícia.
Racionalizar é
tornar racional. Não é sinônimo de raciocinar.
Estabilizado é
o que se tornou estável. Portanto se pressupõe que estava instável.
Do jeito que a
coisa vai precisaremos criar um dicionário do bestiário vocabular. Logo não se
dirá mais ouvir e sim audicionalizar. Alô, alô. Não estou audicionalizando
bem. Logo roubar será roubalizar.
Não sei se já
tem nome esse fenômeno de anabolizar as palavras. Espécie de
o-médico-e-o-monstro do vocabulário. Tacar anabolizante em ver e transformar numa montanha de músculo inchado visualizar. Hipercognatismo,
anabolivocabulia, pseudocotanismo, hiperpseudocoganatismo...?
● O pessoal
faz confusão entre os termos horror, pavor e terror. Muitas vezes se usa um termo quando o cabível é outro.
Quando se diz que alguém viu algo e fugiu aterrorizado, quando deveria dizer
apavorado. Ou quando alguém sentiu terror, quando deveria dizer pavor. Terror
não se sente, se faz ou se é vítima, pavor se sente, horror se vê. Ser
aterrorizado é ser ferido, sofrer dano ou mutilação. Se sentir horrorizado é
sentir repulsa, aversão.
Horror é algo muito feio, desagradável
aos sentidos, mas não necessariamente danoso. Pode ser nojento, feio, fedido,
nauseante, etc. Por isso se diz que alguém é horrível, que tal lugar tinha um
cheiro horrível, etc.
Pavor é medo extremo, exacerbado,
máximo. Medo no mais alto grau. Quando se diz que tal coisa é pavorosa é porque
assusta muito, é mais que medonha, causa pavor.
Terror: Ferir, causar dano, mutilar,
destruir. Por isso o terrorista usa bomba, incendeia, é franco-atirador, etc.
O curioso é
que de terror se usa o adjetivo terrível,
de pavor pavoroso. Só horror tem as
duas formas: Horroroso e horrível.
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