A língua esculhambada
Miscelânea 3
● Parece que
não aboliram só o trema, o hífen também. Pra quê tanto esforço pra mudar as
regras do hífen, se não se seguiu a antiga nem se segue a nova? Faz-de-conta,
carro-de-boi, lua-de-mel, laranja-lima... Se tendo dúvida sobre café-da-manhã digas desjejum.
● Em textos do
século 19 a
trás temos assim de Espanha, em Inglaterra, em França... Infelizmente
em nosso idioma temos a mania de gênero, dar sexo ao que não o tem. Uma
complicação estúpida. Assim damos o gênero conforme a semelhança: Na China, na
Itália, na Terra, na Lua, no Japão, no Rio de Janeiro, no Sol, em São Paulo, em
Belo Horizonte, Em Vênus, em Marte... Feminino, masculino e neutro. Pra quê
isso? Ponto geográfico não tem sexo, portanto gênero é uma frescura gramatical.
Tem de ser tudo neutro.
● Poema e
canção usam linguagem poética. Não são textos objetivos. Seu compromisso é com
a beleza, estética, forma, jogo expressivo. Claro que vemos muito erro
desnecessário neles mas noutras vezes os colocar em português correto os
estragaria, se perderia a rima. Assim a marcinha carnavalesca Aurora teria de mudar o nome da
personagem pra continuar harmoniosa após corrigida:
Se fosses
sincera
Oooô!, Maria
Vejas só que
bom seria
Oooô!, Maria
● As
expressões se dar ao trabalho e se dar o trabalho, dizem alguns que
seria o mesmo mas que a segunda teria cunho francês e seria apenas aceitável
(?). Se dar ao trabalho significa se
doar, se dedicar ao trabalho. Se dar o
trabalho significa receber a tarefa, a tomar ou aceitar. Assim como assistir a aula significa ver, estar
presente, enquanto assistir à aula
significa auxiliar, dar assistência.
● Em muitas
narrativas há o vício de se referir às personagens alternando um de seus nomes.
Isso é cansativo e confuso ao leitor. Por exemplo, a personagem é apresentada
como Carlos Fischer, depois Carlos abriu a porta, mais adiante e Fischer abriu
a janela, e mais adiante Carlos Fischer decidiu falar com... Ou apresentado
como, digamos Doug van Boek. Ora é chamado Doug, van Boek, Boek, Van. É
necessário padronizar, e só variar quando o enredo o exigir. Por exemplo,
quando uma personagem tem o costume de o chamar doutro nome.
● Também há o
excesso de referência. Se numa seqüência temos que Carlos está passeando na rua
é desnecessário citar o nome a todo momento: Carlos viu a loja aberta. Então Carlos se virou e... Já é uma
pequena aventura de Carlos, enquanto não surgir outra personagem, de modo que
seja necessário explicitar a quem se refere, é supérfluo citar o nome, pois já
sabemos que estamos falando de Carlos. Assim o texto fica mais enxuto e
estético e menos cansativo.
● Outro vício
em narrativas é o excesso de indicação, o que enfeia, prejudica a estética do
texto. Muitas vezes temos duas personagens conversando. Só há elas ali e o
narrador a todo momento indica:
— Sinto
incomodar nesta hora da noite, mas é importante. Posso entrar? — Perguntou
Joel.
— Entres,
senhor Joel. — Respondeu doutor Raul.
— Serei breve.
— Disse Joel.
Se foi narrado
que Joel bateu à porta de doutor Raul, é óbvio que quem pede pra entrar é Joel.
Portanto é supérfluo — Disse Joel.
Se só há os
dois nesse trecho narrativo (usando linguagem computacional poderíamos chamar
sub-rotina) é óbvio que quem respondeu foi doutor Joel, pois não há terceira
personagem no quadro.
— Serei breve.
— Disse Joel.
Mas já não
está dizendo? E já está implícito que quem falou foi Joel. Se o leitor não
estiver bêbado sabe que as falas num diálogo são alternadas. A menos que se
trate dum diálogo de loucos. Só é necessário indicar quem está falando quando
há mais de duas pessoas conversando.
Pra que o
texto fique mais enxuto, mais estético, só indicar quando necessário.
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