domingo, 27 de maio de 2012

Quase nostalgia 1
Da autobiografia não-autorizada de Che Guavira
De vez em quando se acha um texto relembrando a diferença de quando se era criança com a criança de hoje. De que não existia celular e brincávamos longe de casa, depois da aula, não existia celular e nossos pais nem sabiam onde estávamos. Bebíamos água da torneira, íamos aos mangueirais chupar manga, procurávamos uma quadra vaga pra jogar futebol improvisado. Não tinha essa babaquice de tal programa recomendado pra tal idade.
O período de aula era só manhã, tarde ou noite, de modo que tínhamos tempo livre pra ir brincar e ter nossa vida em casa. As férias eram 3 meses no fim de ano (dezembro, janeiro e fevereiro) e julho. Os meses inteiros. Não tinha essa babaquice de hoje de se achar que se pode compensar a falta de qualidade aumentando a quantidade.
Já se dizia que o ensino público era mais fraco que o particular. Mas a vida toda em escola pública e me capacitei muito bem porque peguei apostilas e fui estudar, não dependendo só da escola, que me dando uma base já dava pro arranque.
Os colegas de classe nos juntávamos a ir jogar na quadra de futebol de salão da escola se estava livre. Se não íamos procurar outra ou um campinho disponível. Nunca tínhamos o time completo. Era tudo improvisado, brincadeira mesmo. E como nos divertíamos.
Uma vez apareceu um professor de educação física que detestava futebol e não nos deixava jogar, de jeito nenhum. Só basquete, o que fosse. Futebol não. Dizia que futebol era esporte de ignorante. E contou do jogador que foi jogar em Nata, Rio Grande do Norte, e disse que era legal jogar onde nasceu Jesus. Mas basquete era muito chato e fugíamos pra jogar noutra quadra livre.
A aula de educação física era muito tosca. Aquelas ginásticas estrambóticas, forçadas. Uma chatice. Acho que muito dos problemas de coluna se deve àquelas ginásticas bestas que éramos forçados a fazer. Eu odiava a aula de educação física e odeio até hoje. Sempre gostei de jogar brincando, não com obrigação de vencer.
Como fui criado muito reprimido sempre tive andar duro e muito mal-resolvido com o corpo. No pingue-pongue sou bom porque é um jogo de mãos. Futebol é jogo de corpo, como dançar. Nisso sou péssimo.
Por isso quando fui fazer cunguefu tinha de imitar os movimentos do pessoal ao lado e fazia tudo trocado. Até criança fazia certinho e eu trapalhão. Não tenho mesmo coordenação corporal. Assim percebi que tô mais pra Chapolim que pra Chaolim, e desisti.
Assim como desistira do judô com 14 anos, que fiz só durante um mês. Primeiro porque detestava ficar abraçado àqueles quimoneiros suados, segundo que tinha pavor de ser jogado ao tatame como um saco de areia. Mas desisti mesmo porque viviam cancelando aula por causa de competição. Hoje está ainda pior essa praga de mentalidade competitiva. Só se fala em medalha, medalha, medalha. Nunca vi uma modalidade que fosse pra que a pessoa se aperfeiçoasse, se relacionasse. Não. Só essa perversão de ganhar medalha.
Eu era o mais perneta do time. Sorte que éramos poucos, senão ficaria sempre no banco. Uma vez dei um drible de craque em Davi, que era o mais baixinho e mais corredor, que ganhava todas as corridas na educação física. Nunca fizera antes nem depois. Pobre Davi. Teve de ficar ouvindo Á! Não! Levar um drible do Mário!
Uma vez fomos jogar no campo do Exército. Nunca tinha entrado num campo de futebol. Só brincávamos em quadra de salão. Na televisão o campo parece pequeno mas entrando nele se vê o quanto é gigante. O gol era enorme. Não entendia como um goleiro podia dar conta. Eu olhava o outro lado do campo e era longe, muito longe. Só um ataque e eu já estava de língua de fora. Nunca mais quis saber de futebol de campo.
Só tinha um canal de televisão até 1980. A TV Morena era rede Tupi. Quando a Globo decidiu montar uma filial em Campo Grande a TV Morena correu fazer contrato com a Globo. Grande jogada. Assim se manteve durante muitos anos sem concorrência, em vez de deixar surgir um concorrente mais forte. Depois a Tupi se extinguiu.
Tendo só um canal tinha a vantagem de quando passava um programa se podia comentar com todo mundo. E quando se perdia um sempre tinha alguém pra te contar. Hoje é altamente improvável que se perca um programa e se ache alguém que o vira.
Uma sensação foi o Didi, de Os trapalhões, fazendo paródia do seriado Ciborgue, o homem de 6 milhões de dólares. Didi era Zé Borges, o homem de 6 cruzeiros e 50 centavos. Era um sucesso quando faziam paródia de novela, seriado, filme. Sempre esperei que fizessem de Geni é um gênio, mas infelizmente nunca fizeram.
Negro pintar cabelo? Era coisa doutro mundo. Por isso Muçum costumava se travestir com peruca loura, o que soava muito bizarro e engraçado. Mas Os trapalhões perderam quase toda a graça ao se mudarem à Globo. De tão padronizados ficaram bem insossos, bobocas mesmo. Viraram atração infantil, no sentido mais pejorativo. Um colega disse que achávamos graça porque éramos crianças. Então, vendo uns arquivos da TV Record, constatei que não. Que antes eram muito melhores. Cheguei a ver o grupo na Tupi quando ainda se chamava Os insociáveis e achava Renato Aragão (Didi) muito parecido com Ronald Golias (Bronco). Na época gostava mais do Didi, só que foi perdendo a graça enquanto Golias nunca decaiu, nem depois de velho.
A programação não era via satélite, assim víamos as novelas com semanas de atraso com relação ao eixo Rio–Paulo. Vinha tudo em videoteipe, via terrestre. VHS era coisa do futuro. Quando se equiparou tudo perdemos vários capítulos das novelas.
Os desenhos eram bons. Tinha programa bom o dia todo. Seriados dos melhores. Perdidos no espaço, Túnel do tempo, Viagem ao fundo do mar, Geni é um gênio, A feiticeira, As noivas, Daniel Boone... Me lembro que lá nos 18 anos fui dar uma olhada numa daquelas sessões desenho matinais e fiquei chocado. Quando criança via os desenhos na seqüência. Depois entrou na moda (imitação de Xuxa? Quem imita quem) daquelas horrendas animadoras-apresentadoras infantis intermediando cada desenho, enchendo o saco e também enchendo lingüiça.
As novelas eram ótimas, tiradas dalgum romance clássico. Não como hoje, sem história definida, quase interativa, onde quando se quer fazer propaganda dum refrigerante se encaixa uma família almoçando com o produto encima da mesa. Não tinha tanta babaquice de politicamente correto.
A Sessão da tarde só exibia filmes antigos, raros os coloridos. A maioria da década de 1940, 50 e 60. Não esses filmes idiotas de hoje. Na época nos referíamos a esses maravilhosos filmes como filme tipo sessão-da-tarde.
Não tinha Procon, direito do consumidor. Nada. Quando se comprava o telefone era como se comprasse uma casa. Caríssimo. Ficamos anos esperando o telefone ser instalado. Orelhão era de ficha, aquela moeda fendida. Às vezes custava a ficha cair pra ligação completar, dali a expressão Cair a ficha.
Pedofilia? Nunca ouvimos falar. Nem imaginávamos que existisse. Mas claro, nem o sexo se sabia que existia. Se não tivesse lido uma Pais & filhos, com 12 anos, onde um médico explicava a coisa... Me lembro que minha mãe fez um escândalo quando minha irmã contou que falaram sobre isso na aula.
Proteção ao menor não existia. Se podia espancar o filho e ninguém poderia se meter.
Os tênis que conhecíamos eram dois: Conga e Kichute. Conga era azul e Kichute preto.
Sorvete era no máximo Kibom. Só tinha chocolate, morango e creme. Kibom foi uma novidade tardia. Só muito mais tarde teve Gelato. Nos outros não tinha cremoso no palito. Era muito sofisticado. Picolé era um refresco congelado no palito.
Torta só conhecíamos uma. Era no máximo um bolo cortado em três andares e recheado com goiabada, chocolate ou creme. E todo coberto com aquele glacê branco, duro, açucarado. Uma vez vi num casamento numa fazenda, isso na década de 1980!, um desses bolos. Já era mais moderno, o glacê estava mole. Ou era porque não secara ainda? As moscas ficavam presas no glacê, parecendo uva-passa.
Cantor rebolando, entrevistado macho sentar e cruzar as pernas? Jamais!
Não existiam salões unissex. Isso foi forçado pelas crises. Homem só ia cortar cabelo na barbearia e salão de beleza era coisa de mulher. Barbeiro era uma coisa, cabeleireira outra. Homem não entrava em salão de beleza.
Computador? Em 1992 eu disse, a uma colega, que queria comprar um e ela achou que eu estava sonhando! 1992! Imagine antes.
Fiz concurso público quando ainda tinha prova de datilografia. Quando se era chamado, antes de assumir o cargo se tinha de fazer uma prova de datilografia. E eram aquelas máquinas mecânicas pesadonas, Remington Rand. Eu usava muito uma pequena, portátil, Olivetti lettera 32 era a marca. Quando prestei concurso fiquei meses sem tocar nela porque acostumava e estranhava as grandes. Anteriormente fiz uma prova prum emprego particular e me saí mal porque estava acostumado com a portátil. As teclas eram maiores e mais espaçadas e eu metia os dedos entre elas. Então levei emprestada uma grande e fiquei acostumando nela. Deu certo.

Um comentário:

  1. Caro amigo Mário, li e depois reli o texto para o Doutor Sherloque, adorei... rimos, lembrando nossa infância, os congas e kichutes... tudo q você relata nos leva de volta ao passado seu e curiosamente nosso também, até debatemos sobre algumas coisas, tipo, as vacinas que a gente tomava nas escolas com as enormes agulhas e as pistolas.
    Parabéns Mário!!!

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