domingo, 10 de junho de 2012

Quase nostalgia 3
Da autobiografia não-autorizada de Che Guavira
Só liberada por causa da lei de liberdade de informação
Na infância fui uma criança muito solitária. Sempre foi minha natureza. Soltei pouca pandorga. Minha irmã que fazia pandorga e vendia aos moleques. Também não joguei bolita, a bola-de-gude. Na fase mais pra infância eu era muito anti-social. Meu mundo era ver desenho e seriado na tevê e ler gibi, dos quais eu tinha bastante. Mas pra não ter de comprar mamãe fazia trocar. Aí nessa de trocar 2 por 1 foi esvaziando o acervo.
Sei que nos gibis aconteceu o mesmo fenômeno que nos filmes. Me lembro que quando lia um almanaque do Super-homem, em preto-e-branco, tinha enredo. Eram histórias bem elaboradas, saborosas. Tudo muito diferente dos gibis mais recentes, dos anos 1980 a cá, no tal formatinho, onde só tem ação, sem enredo: É raio e soco a todo lado, demolição de parede parede, luta, uma barafunda infernal sem sentido, com enredinho mixuruca, mais pra Godzila que eles mesmo em preto-e-branco.
Depois que ficou colorido perdeu o sabor. O que aconteceu também nos filmes. Quanto mais sofisticado menos saboroso. Hoje os filmes são só pretexto pra exibição de efeito especial. A meu ver isso acontece por um motivo bem simples, uma lei da física: Aumentou a quantidade diminui a qualidade. É o que acontece na indústria. Tudo o que se ganha dum lado se perde doutro. Também os lugares mais divertidos onde trabalhei e os cursos onde tinha os melhores colegas eram precários. Já os onde se ganha bem e se tem estrutura boa o ambiente é opressivo. É como a sabedoria contida na história do anel de Polícrates. Por isso temos de saborear o que temos de bom agora, pra dão cair naquela do Eu era feliz e não sabia.
Os seriados eram bem elaborados. Os títulos eram traduzidos e os nomes das personagens, na maioria. Até nossa dublagem era internacionalmente reconhecida como de qualidade. Não era como hoje, com preguiça de se traduzir os títulos e essa bobagem de se pronunciar até sigla em inglês. Hoje, como tudo é descartável, se trata os seriados como um papel de bala, relaxado, sem acabamento. Não se tinha pressa. As vinhetas dos seriados tinham uma música gostosa, os nomes dos atores, junto com as respectivas personagens eram apresentados calmamente com cada um aparecendo. Por isso se tornavam inesquecíveis. Por isso, por exemplo, tenho na memória até hoje as fisionomias, os nomes de ator e personagem e a melodia de Perdidos no espaço. Hoje nem se consegue ler o nome dos atores (das personagens nem aparecem), de tão rápido que aparecem na tela, tudo muito apressado. O título do episódio se lia e ouvia claramente. Hoje nem se consegue pegar, como se não tivesse importância. Também se respeitava a seqüência dos episódios. Não era como hoje, quando as emissoras só vêem o seriado como tapa-buraco da programação e exibem fora de seqüência, larga um, passa outro, depois volta a exibir, muda de horário, muda de dia, num total desrespeito ao telespectador.
É por isso que é urgente a necessidade dum código de defesa do telespectador. Já fizeram pro consumidor. Até pro torcedor! E o telespectador? Quando terá seu direito respeitado? As emissoras mentem, manipulam, exibem o que bem entendem, do jeito que querem, mudam, extinguem. Nem se dão ao trabalho de avisar que tal seriado mudará de horário. Nada. É preciso acabar com essa sem-vergonhice. Código de defesa do telespectador já!
Tinha um seriado em desenho quase animado. Eram aventuras dos super-heróis Hulk, Thor, Homem-de-ferro, etc, em seqüências estáticas, tudo bem tosco. Tinha uma canção de abertura, em inglês, que eu gostava muito mas não sabia cantar. Tinha um colega maior que sabia cantar e de vez em quando eu ouvia.
Tinha toda aquela censura da ditadura militar mas não existia esse exagero do politicamente correto de hoje. Hoje é bem pior. O programa era aprovado e reprovado pela censura federal. Hoje é essa classificação etária boboca, que não tem sentido e vai pela cabeça de quem administra a coisa. O resultado é que nas tevês ditas educativas só passam desenhos infantilóides nhenhenhém, com bichinhos com voz de falsete que dá um tom meigo muito falso e histórias boboquinha e babaquinhas.
Uma programação toda cheia de violência e psicopatas, como temos visto, faz mal a todos, até aos adultos, e é produto duma manipulação maligna. Não é por um filme que passe mas pela insistência. Vai minando o subconsciente.
Agora histórias normais, da própria vida, não tem por quê da criança não poder ver. Até acho que impedir a criança de ver a realidade é um desrespeito contra ela. E bem sei o mal que uma educação demasiado puritana e repressiva causa na vida duma pessoa porque senti isso na pele. É por isso que índio não tem crise de adolescência, porque não lhe é escondida a realidade pra depois causar um choque. Esconder o mundo real da criança, a mostrar somente uma realidade pasteurizada, estereotipada, é uma violência. É por isso que sou contra essa classificação etária arbitrária, presumida, sem nexo. Não tem base científica pra fazer isso, apenas preconceitos puritanos, uma visão de mundo vitoriana.
E tem tevê educativa que prega essa classificação e faz apologia ao homossexualismo, como no Carnaval uma propaganda onde uma camisinha falava com um guei que ia se encontrar com outro e dizia: Vai fundo, arrasa! Isso não é campanha de tolerância, é apologia, o que mostra uma mentalidade equivocada.
Quando criança eu era louco pra ver os filmes da madrugada. Tinha Angélica, a corujinha da madrugada, que eu nunca podia ver porque passava quando eu morava com meus tios. Mas em casa pude ver os filmes de Drácula, lobisomem, Frankenstein. Maravilhosos filmes que não passam mais na tevê. Vi aquela dos crimes do museu de cera... Mas o inesquecível mesmo foi aquela do Abbott & Costello contra Drácula, Lobisomem e Frankenstein, o melhor filme de todos os tempos. Até tome um copo de água com açúcar vendo aquele monstro de Frankenstein derrubando portas e portões atrás da dupla.
Nudez, enredo adulto, nada disso prejudica a criança. O que prejudica são os falsos valores e o exagero. Na dose certa até veneno é remédio. Chega de síndrome de Buda, onde a criança vê um mundo maniqueísta, onde o bom é bonito e o mau é feio e tem voz rouca. Mesmo porque enredo adulto não poderia me afetar porque eu não entendia os enredos. A criança vê tudo como uma série de ação, não consegue apreender o enredo. Quando via um adulto falando sobre o enredo do filme eu me espantava porque não percebia isso. É porque o cérebro da criança ainda não está formado e esse tipo processamento ainda não madurou.
O que era prejudicial era os professores mandando a gente resumir Dom Casmurro, Música ao longe, Clarissa. Não tínhamos maturidade pra entender esses romances e tudo parecia uma tristeza horrorosa, com velórios e tragédias. Imagine a idéia dos professores mandando criança de 11, 12 anos ler Dom Casmurro! É por isso que o jovem não lê. Porque na escola o obrigam a ler coisa imprópria à idade, romances que ele não consegue entender. Essa estúpida política fez com que eu tivesse na estante, durante anos, O enfermeiro, uma coleção de conto de Machado de Assis, autor do Dom Casmurro. Por causa dessa estupidez fiquei muitos anos com ojeriza de autor nacional. Até que um dia, com vinte e tantos anos, resolvi ler aquele volume, O enfermeiro, e me apaixonei. Vi a similitude dos contos de Machado com os de Maupassant e me lembrei dos professores burros, que nos forçavam a ler livros impróprios à idade.
Se dependesse dos professores nunca me tornaria um leitor. Depois dessa maçada um livro adotado foi o extremo oposto, muito infantil pra nossa idade. Mas por muita sorte apareceu O homem que calculava, de Malba Tahan. Foi minha salvação. Esse sim, um dos melhores livros do mundo, que ninguém deve morrer antes de ler.
Felizmente hoje há professores esclarecidos, que deixam às crianças a decisão final sobre qual livro adotar. Creio que houve e há uma campanha intencional de desincentivar a leitura fingindo incentivar. É por isso que se consagraram tantos autores ruins: José de Alencar, Jorge Amado, Murilo Rubião, Guimarães Rosa, por exemplo, são autores consagrados pode ser por motivos históricos mas são literariamente muito ruins e muito chatos. E adotar esses autores na escola é um poderoso desincentivo a formar um leitor. Dia destes resolvi ler um volume de Virgínia Woolf e... que decepção! Melhor mandar o livro à reciclagem de papel. Sem falar no poeta que não sei por que-diabo endeusam tanto, o tal Manoel de Barros, que enrola e engrola com nada e coisa nenhuma pra ir a nenhures, como juntando sereno, vapor, granizo e garoa pra fazer um coquetel de água mineral.

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