A língua esculhambada
Gramática ouropéica
Este é um artigo contestador
Não deve ser usado pra concurso, vestibular,
etc.
Respondendo a
uma colega, sobre a grafia de proteico
eu disse que não deve levar acento, porque vem de proteína, assim como meiga,
que vem de meiguice, e não como onomatopéica, que vem de onomatopéia. E assim concluí dizendo que
as regras gramaticais são uma barafunda infernal, onde cada autor impõe seu
estilo e se contradizem mutuamente, mesmo auto-contradizem.
— Então qual
estilo se deve adotar numa prova?
— Tem de
descobrir qual o estilo dos corretores das provas.
Desde criança
aprendemos a expressão Entrega a
domicílio. Mas recentemente algum asno decidiu que o correto é Entrega em domicílio. Esse é um
exemplo cabal de que no reino gramatical reina o modismo, o estilo, o
preciosismo exacerbado. Mesmo em castelhano o termo é a domicilio.
Esmiucemos a
expressão: Alguém comprou numa loja e aguarda a entrega a ser feita por um
funcionário dessa loja. O funcionário levará a mercadoria da loja até a casa do cliente. Não usará a casa
do cliente como ponto de entrega. Então é entrega
até domicílio = entrega a domicílio.
Se a loja fará
entrega em domicílio, significa que
há um domicílio onde a mercadoria será entregue. Então o cliente deverá ir até
esse domicílio pra retirar a mercadoria.
Pode haver
caso em que ambas são corretas: Quando o cliente pode retirar a mercadoria em domicílio mas também pode optar
receber em casa.
Se o
entregador põe tudo na carroceria duma camionete e ali faz entrega aos que
chegam pra receber, é uma entrega em
camionete, em carroceria, como
queiras.
Ao contrário,
se o funcionário entrega a recebedores que estão aguardando na carroceria de
camionete, é entrega a camionete.
Se o
entregador entrega, na carroceria de sua camionete, a outras camionetes, ambas
as formas estão corretas: A entrega é a
camionete e em camionete.
Alguém pode
argumentar que quando o entregador leva a mercadoria ao domicílio mas não
entra, entregando no lado de fora da porta, é entrega a domicílio, mas se entra, entregando dentro da casa, é entrega em domicílio. Tudo bem.
Mas não precisamos exagerar na exatidão. Eu diria que de qualquer forma é entrega
a domicílio, pois foi levada da loja até
o domicílio. Pois o objetivo é o transporte da loja ao domicílio e não
estabelecer um ponto de entrega num domicílio.
Há alguns anos
vi um literato da academia brasileira de letra ser entrevistado no Jô Soares
11,5. Disse que pagamento a vista tem
de ter crase porque é feito diante da vista (!?) e que outra regra é inverter o
gênero pra ver se surge o ao. Mas ali
estava se contradizendo, porque ao se fazer o teste invertendo o gênero: É pagamento a prazo e não ao prazo, portanto pagamento a vista e não à
vista. Porque o pagamento a prazo também é feito diante da vista!
É diferente da
expressão náutica Terra à vista!
Basta inverter o gênero pra se certificar: Terra
ao largo.
Infelizmente é
enorme o estrago que uma entrevista desastrada assim faz na cultura popular,
por se tratar de programa de enorme audiência. Basta ver os anúncios de venda
pra ver esse estrago.
Dois exemplos
suficientes pra demonstrar que é mais um problema de falta de inteligência que
de falta de cultura.
Outra pérola
da mesma sumidade foi dizer que a
esdrúxula expressão juniores se sente
obrigado a aceitar. Ora, tanto a júnior
quanto a seu antônimo sênior se
aplica a regra do plural de lápis,
que é lápis e não lapises. O plural de júnior é júnior, e de sênior é sênior. Não há seniores, meus senhores! Assim como o masculino de donzela é donzel e não donzelo, e o
de dona é dom e não seu.
Caramba! O
dicionário do word reconhece donzelo e não donzel! É de lascar!
Já que o
mencionei, que horror isso de colocar barbarismo no dicionário? William, York, Windsor... Isso são
palavras aceitáveis num dicionário de português?
Infelizmente a
maioria da humanidade ainda prefere o comodismo de seguir a opinião dum guru,
pra não ter de pensar. Assim se prendem a estereótipos, como numa página onde a
autora aconselhava o que dar de presente ao namorado. Disse que bombom não, a
menos que seja um Ferreiro Rocher. Ferreiro Rocher? O pessoal acha que é
chique? Quando ganhei uns achei uma porcaria, muito amendoim. Qualquer sonho de
valsa é muito melhor.
Assim vemos
uma gramática que parece ouro mas é ouropel, cheia de purismo, preciosismo,
maneirismo, firula, esnobismo, sofisma
Veremos mais
capítulos sobre essa gramática de polichinelo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário