domingo, 21 de dezembro de 2014

CSI Campo Grande 5 - O caso das piadas de português

Episódio 5
O caso das piadas de português
Texto de Mário Jorge Lailla Vargas
1
Se é, sai. Se não é, não sai
O CSI Campo Grande foi concebido pra investigar casos que os outros órgãos têm vergonha de investigar. Por isso a agência foi acionada pra desvendar o estranho caso das piadas de português.
A uma semana dum encontro mundial de criminalística uma série de espãs com piadas de português começou a grassar nos meios afins. Isso causou muita preocupação nos organizadores do evento, pois as piadas causariam mal-estar com nossos patrícios.
Por sorte a agência não ficou desfalcada com a saída de Miro, transferido ao CSI Natal, porque se engraçou cuma loura potiguar em suas andanças topográficas no Rio Grande do Norte e se mandou de mala-e-cuia. Assumiu a chefia Cláudio Manuel, o rei do micro, que já foi de tudo, até madeireiro, assim podendo dar mais versatilidade à puída, maltrapilha e esfarrapada agência. E no lugar de Lígia entrou Ramão Pontes, eficiente ajudante de pai-de-santo, pra não desguarnecer o lado místico-parapsicológico das investigações.
A coisa estava tão feia, que até o CSI Campo Grande recebeu uma gozação:
— Sabes como se chama o CSI Coimbra? Se é, sai. Se não é, não sai.
Cláudio telefonou a Mário, consultor honorário interino improvisado:
— Ô, cara. Provei um lote do lote de hidromel, que acabou de maturar aqui, e tava tão bom. Tomei um pileque. Vás adiantando lá.
Quando Mário tocou a campainha soou uma voz:
— A senha!
— O marajá de Aracaju manda já lingüiça de Maracaju com carne de maracajá e suco de maracujá.
O pessoal reunido na roda-de-tereré. Gláuder chegou de Ponta Porã pra ver uns negócios. Estavam discutindo essa verdadeira instituição nacional que é a piada de português. Gláuder metia o pau e quase monopolizava o tema. Quase, porque Ramão é outro páreo duro. Ramão disse:
— Vejamos o que Mário tem a dizer. Gláuder disse que as piadas nasceram porque os portugas são burros mesmo, o que é um evidente absurdo.
— Ramão está certo. A origem do anedotário é mais uma conspiração maçônica. Pra demolir o império dos países católicos, instigaram as independências. Aqui, como somos muito achegados ao colonizador, instigaram as piadas como forma de o ridicularizar. E caímos nessa feito patinhos, em vez de manter uma comunidade ultramarina, como a britânica.
— Quer dizer que as piadas são mais uma conspiração? — Ciro arregalou os olhos. — Então devemos mesmo proibir as piadas?
— São. Mas pra anular a conspiração temos de contar piadas inteligentes e esquecer as ofensivas, pois proibir é outra conspiração.
— Caramba! Que o negócio é enrolado!
Lígia mostrou o relatório do CSI Ponta Porã:
— No mês passado teve o encontro criminalístico mundial em Assunção. Um canal de tevê brasileiro entrevistou um criminalista lusitano. Mal o luso disse estar contente de publicar novas técnicas e outras a ser discutidas no encontro, apareceu um sujeito, evidentemente disfarçado, barba muito negra e espessa e óculos escuros, fazendo bem o estereótipo do espião nos cartuns humorísticos, e disse ser preciso traduzir o português lusitano ao brasileiro: Que o entrevistado disse que queria era ir logo ao encontro no Brasil, pra ver muita mulata e carnaval, mas que sua mulher não pode ver a entrevista. Pensamos que seria um daqueles quadros de câmera escondida tipo topa-tudo mas soubemos que não, e nas fitas gravadas do evento não mais se localizou o misterioso sujeito.
— Ciro tem uma suspeita, pois tem uma correspondente lusitana, Raquel, que detesta brasileiros. — Disse Gláuder.
— Bom... Pois é... Ontem falei com Eugénia, do CSI Vila Real, confirmando que o Se é, sai. Se não é, não sai foi mandado por Raquel.
— Muito estranho. Pela lógica Raquel mandaria como piada de brasileiro. Então, Ciro, conversemos com Raquel em conferência a três. — Disse Mário.
Ficou combinado pro fim de tarde a conferência. Disse Ciro.
— Mas vejas se não ficas ouvindo Agnetha a todo volume. Assim não ouves tocar o telefone.
2
Em mares nem por Dante navegados
A conferência começou no fim de tarde. Ciro apresentou Raquel.
— Pois é, Mário. Raquel é a portuguesa que não gosta de brasileiro.
Conversa vai, conversa vem. O papo se encaminhou às inevitáveis piadas.
— Cê sabe, né?, Mário. Lá eles dão o troco. Contam muita piada de brasileiro.
— Então contes uma, Raquel.
Assim, sem querer, começou uma disputa meio repentista.
A mãe de Zé o mandou comprar água oxigenada, 30 volumes, cremosa. Zé arranjou uma caixa de papelão, catou na prateleira 30 frasquinhos de 100ml de água oxigenada. Como não tinha da cremosa comprou um pote de chantili.
A caixa de supermercado Manuela barrou o comprador.
— Mas como? Só tem três itens aqui!
— Senhor, este é um caixa rápido, máximo 10 volumes. Só este tubinho de água oxigenada tem 20 volumes!
Ciro gritou:
— Mário 1×0!
Por que o Brasil está devastando tanto a Amazônia? As toras de madeira estão estocadas pra largar na frente na pesquisa de células-tronco.
Por que o Brasil foi descoberto por um português? Porque só um português procuraria a Ásia indo ao lado errado.
— Mário 2×0!
Nesse instante foi se juntando uma turma ao redor das telas, formando torcida.
No domingo de flaflu no Maracanã fizeram um sorteio dum carro. O sorteado tinha de acertar uma pergunta.
— Qual é o maior oceano? Mar Morto. E o povo gritando:
— Dá mais uma chance! Dá mais uma chance!
— Qual é a capital de São Paulo?
— Olinda.
— Dá mais uma chance! Dá mais uma chance!
— Última chance: Quanto é 2+2?
— 4
E o povo, em uníssono:
— Dá mais uma chance! Dá mais uma chance!
O portuga comprou na loja, no valor de 150 escudos e optou pagar em 3 vezes. Tirou uma nota de 50 escudos.
— Esta é a entrada.
Mais duas notas de 50.
— Esta é pra depositaire no mês que vem. A outra no mês seguinte. Ai, Jesus! Não vás depositaire antes!
— Mário 3×0!
Num acidente aeronáutico em Brasília morreram todos os passageiros. No ano seguinte foi anunciado que dobrou o número de mortos. Foi porque fizeram a reconstituição do acidente.
Morreu o patriarca da família. Todos se juntaram e decidiram comprar um casaco pra ficar apresentável no funeral. Fizeram uma vaquinha e Manuel ficou encarregado de comprar. Todo mês chegava a parcela da compra. Depois de trinta anos os irmãos reclamaram:
— Ô, Manuel! A pesada prestação nunca acaba! Mas que raio de casaco caro aquele pra enterrar papai! Acaso era bordado a ouro?
— Não comprei. Como estava muito caro compensava alugar.
— Mário 4×0!
No Rio de Janeiro o policial disse ao ajudante:
— O bandido fugiu. Não mandei fechar todas as saídas?
— Fechei. Mas fugiu via entrada.
O portuga telefonou à TAP e perguntou:
— Quanto tempo dura a viagem Rio-Lisboa?
— Ã... Deixes ver... Um minuto...
— Muito obrigado!
— Mário 5×0!
Zé não quis entrar na loja. Negociou na calçada mesmo. O vendedor estranhou, mas como tem comprador excêntrico, tudo bem. Pagou três vezes o valor do produto. O vendedor achou que seria um rico excêntrico que fez questão de dar uma boa gorjeta ao bom atendimento. 3 é número cabalístico. Vai ver que fazendo tudo triplo dá sorte.
Noutro dia o comprador entrou na loja e comprou normalmente. O vendedor estranhou e perguntou o motivo da diferença.
— Ô!, mano. Naquele dia tinha uma placa dizendo que era só hoje, pagando em 3 vezes sem entrada.
Manoel ficou preso numa cela diante da dum leproso.  Dia após dia observava o leproso cuidando das feridas.  Até que caiu um dedo do leproso, que o pegou e o atirou na janela. Uma semana depois caiu outro dedo. O leproso o atirou na janela.  Algum tempo depois caiu uma orelha. O leproso a atirou na janela.  Uma semana depois caiu o pé. O leproso o atirou na janela.
 Manoel não agüentou mais e pediu uma audiência com o diretor.
 — Olhes, senhor diretor, não quero ser chamado de dedo-duro, mas o gajo que está na cela diante da minha está fugindo aos pouquinhos.
— Mário 6×0!
Quando Deus fez o mundo foi dividindo os países. Quando fez o Brasil o anjo ajudante ficou admirado:
— Um país tão grande, quase todo tropical. Não tem deserto, furacão, terremoto, vulcão nem geleira. Cheio de rio e floresta. Isso é um paraíso!
— Não é uma beleza? A região geológica mais estável do mundo. Será aqui o jardim do Éden.
E saiu saltitando e cantarolando, todo contente.
O anjo viu o Diabo espiando, com cara de pícaro.
— Ai ai ai!, seu Diabo. Tens a fama de estragar tudo quanto é paraíso. O que aprontarás agora? Soltar uma cobra lá?
O Diabo deu uma risota debochada e disse:
— Esperes pra ver o povinho que colocarei ali!
Por que em Portugal as piadas são contadas na sexta? Pra rirem na segunda.
— Mário 7×0!
Grrrrrr!
Qual é o maior erro de português? Brasil. E não é Brazil!
Por que os portugueses são tão burros? Foi a única maneira de os fazer gostar dos brasileiros.
Taí, Raquel, o gol de honra.
— Mário 8×1!
Então Raquel, irritada com a patriotada de Ciro, decidiu encerrar a disputa.
A torcida pegou uma cadeira e deu umas voltas com Mário sentado nela no alto, num rompante de apoteose olímpica. Logo mais disse:
— Tiro Raquel de minha lista de suspeito. Seu humor é meio recalcado, azedo. Bem diferente do humor gaiato de nosso procurado. Raquel não tem piada de sua autoria. Sempre piada que ouviu ou leu.
3
Sem deixar vestígio
No dia seguinte Mário chegou e entrou após declamar a senha:
— Tive um piti depois do tititi que no Haiti, no Taiti e na lenda do Paititi não tinha tucupi, tipiti nem tepurati, disse o mitaí tepoti.
O pessoal no maior papo na roda-de-tereré. Imagines Gláuder, Ramão e Claudião juntos. Pra Mário e Ciro era mais ouvir que falar. Imperdível. Ramão:
— ...Um amigo meu, que é de lá, disse que Israel e os palestinos não querem a paz porque entra muito dinheiro nos dois lados.
...Cláudio:
— Na escola e nos documentários contam o fim da fase áurea da borracha como uma sacanagem das potências, roubando semente de seringueira e plantando tudo junto na Malásia. Mas não contam por quê fizeram isso. A seiva recolhida forma uma bola grande, que é cortada em tira numa máquina. Os brasileiros fraudavam a venda colocando pedra, o que danificava as máquinas. Então os borracheiros decidiram incentivar um produtor honesto.
Gláuder disse que um amigo tem uma teoria de por que as mulheres são chatas. Seria um fator evolutivo. Sendo chatas forçam o homem a sair do acomodo, se virar. No que Mário não concorda, pois acha que no caso humano esse estímulo é exagerado, atrapalhando em vez de ajudar a evolução.
— Vejam os portugueses, por exemplo. Se aventuraram em mares nunca antes navegados atrás do caminho das índias e depois do caminho das negras, pra fugir das mulheres portuguesas, verdadeiras megeras.
— Ai! Lá vem Glaudão com seus estereótipos!
...Cláudio:
— Falam que os africanos vendiam seus opositores como escravos. Mentira! A história não conta que os portugueses usaram aimorés como mercenários pra caçar negros na costa africana.
Cláudio confessou que sobre o autor das pegadinhas não há vestígio.
— Estamos no mato sem cachorro nem gato! Não temos pista. E o que é pior: Uma consulta ao Ichingue revelou que não há vestígio material. Só falta o meliante ser um piloto de disco voador!
Ramão disse que na próxima sessão perguntaria a seu Carangá se tem pista pro caso, olhando na tigela com água cheia de conchinha, que funciona como bola-de-cristal.
— Já que carecemos de estrutura, dada a pouca verba pelo tradicional e nacional descaso das autoridades, temos de nos apegar ao misticismo.
Com a internete fora do ar, pois por falta de verba cortaram a linha de novo, Lígia sugeriu conexão espírita. Gláuder disse:
— Teoricamente se pode fazer uma sessão espírita conectada com outras, de modo análogo à internete. Seria tipo uma psico-conferência.
Assim se estabeleceu uma espécie de sincretismo do espiritismo cardecista de Lígia com o afro de Ramão. O conflito era que  Lígia tinha de pôr todos de mãos dadas no escuro e Ramão acender umas velas no chão, de três a três dispostas em triângulo. Mas enfim chegaram a um meio-termo após gentilmente expulsar Gláuder, pois como cético cientificista empedernido e admirador de padre Quevedo, dava curto-circuito em toda rede de inconsciente coletivo. Por isso já foi expulso e barrado em centros algumas vezes. Mário:
— Se não é um álien, então será Gasparzinho?
— Quieto! Se tirar sarro, os espíritos não vêm.
Assim conseguiram fazer uma busca numa espécie de Gugol do Além, os registros acáchicos. Lígia estremeceu e desmaiou. Antes de voltar a Ponta Porã fez um relatório sobre a tênue pista, que antes de ser lido foi roubado.
Mas na pressa o ladrão deixou o final do relatório, poucas linhas no começo da página. Mário:
— Mas que doideira! A pista psíquica aponta direto à casa e ao salão de Cleusa.
— A cabeleireira minha amiga! — Ramão disse — Ninguém lá é do tipo intelectual, capaz de fazer essas brincadeiras.
4
O que está encima é igual ao que está embaixo
Cláudio disse que foi ao salão pra falar com Cleusa.
— Disse que nem tinha idéia do que acontecia. Não estava mentindo. Tenho experiência nessas coisas. Mas o contador-fantasma, enviado pelo CSI Maiame, rastreou direto a sua casa. A menos que a casa esteja muito assombrada...
— Mas esse trambolho é confiável?
— Claro. Tecnologia desenvolvida logo após o filme Os caça-fantasma. Rastreia partículas subatômicas que são perturbações das ondas de pensamento.
Ficou olhando, desolado, o que seria um aspirador-de-pó mas era um contador-gáiguer pra rastrear fantasma, e se retirou, coçando a orelha.
Mário foi falar com Ramão num canto reservado.
— Não pedirias pra seu Carangá ver na taça dágua uma pista?
— É que... que... Tinha muita gente pra ser atendida, e quando eu ia falar, depois dum ponto-de-fogo, não deu mais.
— Confesses. É por isso que ficaste enrolando. E foste quem roubou o relatório. É seu Carangá o autor das piadas!
— Imagina! Seu Carangá é analfabeto!
— Mas gosta de brincar!
— Temos de o proteger. É nosso amigo.
— Na segunda terá sessão. Conversemos consigo.
Cláudio voltou cuma folha de papel na mão.
— Mas com os mil diabos! Estamos no ano mundial do 1º de abril? Rodei o programa GhostTrack 4.7, enviado pelo CSI Lasvegas, e imprimiu um retrato-falado do suspeito. É um preto-velho! É muita gozação!
No meio da tarde da segunda-feira foram à sessão. Endereço difícil de achar, já que não tem número na fachada. Deve ser pra despistar os maus espíritos. Na esquina oposta, vigiando dentro dum furgão de vidraça escura, Cláudio esperava surgir alguém que se enquadre ao retrato-falado.
Já no meio da noite Mário e Ramão saíram, rindo como dois bêbados. E Cláudio ali.
— Seu Carangá é o exu mais gente-fina. Um amigão.
— E muito brincalhão.
— As entidades são como as pessoas: Tem simpatia e antipatia, e todos os sentimentos humanos.
O que está encima é como o que está embaixo, o mais célebre provérbio da magia.
— E estava preocupado com a agência não ter o que investigar.
— Inacreditável que seja Cleusa quem incorpora.


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