Enviado por Márcio
Rodrigues
A lenda de
Guilherme Tell lendário herói suíço. Ingênua lenda, como o são todas as lendas
patrióticas e todas as histórias e estórias romanceadas e quadrinizadas.
É o mesmo
protótipo de Robinhude e outros tantos heróis abnegados e inverossímeis e
juvenis, em cujos enredos o caráter humano é retratado com as virtudes que
gostaríamos que tivessem e não como são, e os vilões tendendo a Dique
Vigarista, outro estereótipo.
Eis a variante
escandinava do protótipo:
A três flechas de Egil
Escandinávia
Nesta história de Egil, o arqueiro prodigioso, irmão de Veland, o Vulcano
da mitologia nórdica, vemos a réplica exata da aventura sucedida ao lendário
Guilherme Tell, símbolo dos fatos heróicos que apressaram a libertação da
Suíça, então sob jugo austríaco. A figura de Guilherme Tell inspirou, como
tantas outras em domínio lendário, músicos pintores, escritores, crescendo em
fama a ponto de relegar a segundo plano seus avatares (se é possível aqui o uso
da expressão), o mais antigo dos quais está na velha Vilkina saga, baseada em fontes teutônicas.
Famoso era o
herói escandinavo Egil, prodigioso no manejo do arco. Sua pontaria era
extraordinária. Onde os olhos pousavam pousava a flecha.
Um poderoso
rei, desejoso de comprovar a veracidade daquela fama, mandou chamar o arqueiro
e disse que organizara uma prova tão desusada que jamais alguém ousaria
realizar. E desafiou Egil a aceitar.
O arqueiro,
seguro da destreza de seu braço, afirmou com segurança que tudo quanto se
pudesse fazer com arco-e-flecha estaria dentro de sua possibilidade.
O soberano
insistiu:
— Vejas bem: A
prova é dificílima.
Mas Egil
continuou afirmando o que blasonara.
— Se é coisa
que um homem possa fazer, farei.
— O quiseste.
Se trata de partir cuma flecha a maçã que será colocada sobre a cabeça de teu
filho.
Egil ficou
profundamente emocionado mas nada deixou transparecer. A distância que lhe
davam pra realizar a prova era muito grande e não ignorava quanta perícia seria
necessária pra atingir um alvo como aquele. Além disso bastava saber que o
filho seria o pedestal do alvo escolhido pra que começasse a duvidar do que
nunca antes pusera em dúvida: A capacidade de conseguir êxito nas mais
inverossímeis proezas com a balestra.
Temor jamais
suspeitado o assaltava agora. Receava que a emoção entorpecesse o braço, que a
criança se movesse involuntariamente, que uma ave, um inseto, um grito perturbasse
a quietude necessária. Se, enfim, o arco ou a flecha tivesse algum defeito...
Chegou o dia
da prova e o rei reuniu o melhor da corte. Havia no ar uma tensão impalpável
mas forte dominando o ânimo de todos. A própria atmosfera daquele dia ensolarado
e sereno parecia estacado na expectativa. Se tratava duma prova única, jamais
vista. Só o pai se mostrava tranqüilo, indiferente na aparência, embora a
gravidade do rosto mostrasse claramente que, mais do que a qualquer outro, tudo
aquilo o comovia profundamente.
Amarraram o
menino a uma árvore e colocaram a maçã na cabeça.
Egil se postou
no lugar indicado. Distendeu o arco e colocou uma flecha. No carcás ficaram
mais duas.
Levantou o
arco, apontou ao filho, que olhava a ele com olhos bem abertos, sério, embora
tranqüilo.
Ao silêncio
seguiu um grito unânime: A flecha ficou cravada no centro da maçã.
Nos lábios do
menino floresceu amplo sorriso e Egil foi levado à presença do rei entre o
entusiasmo de todos.
O soberano
demonstrou admiração, o cumprimentou e, depois, como estranhando, perguntou:
— Só uma coisa
não compreendi: Por que trazias três flechas se sabias que te bastava disparar
uma?
— É muito
simples, majestade. Se eu matasse meu filho as outras flechas seriam pra ti.
Uma atravessaria teu coração e a outra tua cabeça.
Tais palavras
não ofenderam o rei. Antes aumentaram sua estima por aquele homem valente,
destro e sereno que acabara de lhe dar uma lição.
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