segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Emília encontra Pêni
Um encontro entre duas personagens prediletas
Pêni Róbinson estava sozinha de novo. Em andanças no planeta recém descoberto, encontrou outra caverna. Pensou:
— Quê lugar tão bonito. Me lembra a caverna de senhor Ninguém. Mas se senhor Ninguém é uma inteligência cósmica, pode ser que o encontre novamente.
Então se sentou numa rocha no centro do salão e falou alto:
— Senhor Ninguém! Estás aí? Sinto tanta saudade.
A resposta era só o eco. Então entrou noutra galeria, pra fazer o mesmo, quando ouviu um ruído de objeto ultra-sônico perturbando o ar, como um avião-caça cruzando de repente. Algo grande surgiu no outro extremo do salão. Era um robô e uma moça.
Não! A moça tinha um cabelo estranho, muito colorido. A roupa, então, em contraste berrante. Se olharam. Os olhos gris da menina ante os mais escuros da moça, quem sorriu.
— Oi. Sou Pêni Róbinson. E tu? Quê espécie de alienígena és? Quê moça tão estranha!
— Oi, Pêni. Sou Emília. Não sou alienígena, coisa nenhuma! Sou uma boneca de pano.
Pêni riu.
— Quê absurdo! Como pode haver uma boneca de pano que fala e anda como gente?
— Ora essa! Se um robô bobão pode ser gente e até arranjar namorada, por quê não uma boneca de pano? Precisavas conhecer o visconde de Sabugosa, que é um sabugo de milho e nem por isso deixa de ser um grande sábio.
— Ha ha ha. Um sabugo também! E sábio! Devo estar ficando maluca de tanto passear sozinha neste planeta deserto.
— Não está, não. Lá no sítio do Pica-pau Amarelo, onde moro, é tudo assim mesmo.
— Em qual planeta fica esse sítio?
— Na Terra, ora essa! No Brasil. Á! Ainda tenho de arranjar um jeito de te levar pra passar uma temporada lá no sítio. Tenho muitos amigos, tem muitos bichos lá, muito lugar pra passear, as comidas gostosas de tia Anastácia, as estórias contadas por dona Benta, dançar quadrilha, brincar com Pedrinho e Narizinho e pular fogueira no são-joão. Mas teu nome já é estranho em inglês, acho, mas em português e castelhano também não soa bem. A molecada pegará no pé. Como te chamarei? Penizinha, não. Penica. Não! Peni também não. Já sei! Te chamarei de Peninha! Puxa vida!, Peninha fica bem legal, porque Pêni é muito inglês pra meu gosto. Parece mais nome de moeda inglesa. Imagines uma menina chamada Centavo. Não dá, né? É muito triste tu aqui, de planeta a planeta, sempre sozinha, sem amigo pra brincar. Eu lá, me divertindo a todo lado, fico triste me lembrando que estás tão solitária no espaço.
— Mas tenho família. Dois irmãos e…
Todo mundo sabe que Emília é tagarela. Mas Pêni parecia fascinada.
— Á! Não! Tua mãe, teu pai e o piloto sempre ocupados. Quando não estão consertando a nave estão namorando. Tua irmã já meio adulta, sempre de olho no major Oeste. Teu irmão, bobão, não gosta de brincar com menina. Está sempre com o robô e doutor Esmite. Se não fosse senhor Ninguém, nunca tiveras amigos uma vez na vida. E todo mundo veste sempre a mesma roupa cafona. Tua irmã já tem um namoradinho. Mas e tu? Terás de te arranjar com algum alienígena!
— Hihihi. É verdade. Ei! Mas como sabes tanto sobre mim e os outros?
— Ora! Sei que estais perdidos no espaço. É que lá no sítio acompanhamos toda semana vossas aventuras no espaço sideral.
— Acompanham como?
— Tudo começou assim: Um dos serões de dona Benta era sobre como seria o futuro. Que nesse futuro viajaríamos a outros planetas, coisa e tal. Então visconde de Sabugosa, não sei como, montou uma máquina retangular, cum vidro na frente, onde vemos o futuro. E ali apareceu tua família rumo a Alfa Centauro. Ficamos fascinados vendo todo mundo passar tanto perigo, enfrentando cada alienígena da arca-da-velha. Precisavas ver a farra que fazemos. Damos cada grito! A maior torcida. Até o saci aparece pra assistir. E fica tão comportado, que ninguém acreditaria. Onde se viu saci comportado? Só lá no sítio mesmo. Mas também! Quando grudou chiclete nas cadeiras o ameaçamos não deixar assistir mais, e ainda o expulsar com água-benta e sal grosso. Mas, por via das dúvidas, sabes como é, né?, vai que tivesse uma recaída, igual naquele conto do sapo com o escorpião. Então sempre servimos um bocado de fumo, pra o deixar bem contente. E nem te conto o tanto que xingamos doutor Esmite!
— Então é por isso que sabes tanto sobre nós!
— Pois é. Fiquei preocupada sobre ti. Teu irmão, o robô e doutor Esmite formam uma panelinha masculina. As aventuras boas são sempre consigo, nunca contigo. Mas antes só que mal acompanhada! Quê pais sensatos deixariam o filho andar o tempo todo cum sujeito como aquele tal doutor Esmite? Até deixaram com o tal Benfeliz. Pobre Uil!  Doutor Esmite não é boa companhia pra ti. Por quê não o deixaram congelado como no começo da viagem? Zorro, que é valente, nobre, idealista, chamam de bandido. Enquanto aquele tipinho covarde, ardiloso e sabotador é chamado de doutor! E aquele robô tão esquisito! Todo redondo, mais parece um barril estufado, pesadão, com pouca mobilidade e personalidade. Verdadeiro maria-vai-com-as-outras. Como consegue andar em terreno acidentado com aqueles pés pesados com minúsculas rodinhas? E nem mãos têm. Melhor está capitão Gancho, que ao menos tem a mão direita! Antes tivesse tentáculos de polvo. Os projetistas deviam levar um cascudo! Tinha de ser um robô com mãos, braços, pernas longas, ágil como um macaco. Mas gostei quando deste uma dura em doutor Esmite, não o levando à caverna de senhor Ninguém. Arranjes o próprio amigo! Mostraste personalidade. Eu disse Essa é das minhas! Tu é quem tinhas de estrelar. Não aquele grandão. Estrelando! Bá! Estrelando, mas tudo o que faz é bancar o mandão e umas lutas pra mostrar que é forte. Se isso é estrelar! Pode ser o astro da espaçonave, não das aventuras. E então decidi que tinha de dar um jeito de te visitar, pra te dar de presente um robô. Porque não é justo que Uil tenha um robô só pra si e viva as melhores aventuras, e nada pra ti, enquanto nós mulheres ficamos só de figurante, só pra embelezar o cenário. Não é só porque somos burrinhas e malvadas que merecemos isso. Também não é pra tanto!
— Um robô só pra mim?! Uau!
— Então apelei ao visconde, que construiu o robô e até o programou. Puxa! Deu um trabalhão! Mas como eu viria? Estamos separadas no tempo e no espaço! O pó-de-pirlimpimpim não estava funcionando muito bem, por isso, acho. Então apelei ao preto-velho lá do sítio, tio Barnabé, que fez uns patuás, umas rezas, um trabalho completo. Tive até de tomar banho de gosma de umbigo-de-banana e de leite com mel. E estava frio! Também fiz promessa na igreja. Puxa vida! Tive de ficar um mês sem azucrinar o visconde. Não foi fácil! Até tomei banho dágua-benta. Apelaria também à Cuca mas não me deixaram, pois não seria boa idéia. Ai! Se eu encontrasse um gênio na garrafa! Faria três pedidos. Então me lembrei do saci Pererê, e fui pedir ajuda, pois ficou meu amigo depois que passei a lhe dar sempre um bocadinho de fumo, de modo que não precisei o prender na garrafa de novo. Então vejas só o quê aconteceu: Não sei se foi o saci quem deu um jeito, se foi força de tio Barnabé ou milagre da santa, mas aconteceu que os dois caras perdidos no tempo caíram lá no sítio e passaram uma temporada conosco. Foi o saci quem os levou ao visconde, claro que depois de aprontar um monte de travessura, até os deixar arrepiados, hihihihi!, pra ver se podia os ajudar. Chegaram com calça e camisa rasgadas de tanto rolar no chão, se espetar em espinho e cruzar cerca de arame-farpado, e cara toda encarvoada, parecendo irmãos do saci. Assim consegui um favorzinho do pessoal lá do túnel, pra me enviar àqui. Muito simpática aquela doutora Ana. O túnel me transferiu, o pó-de-pirlimpimpim deu uma turbinada na viagem, trouxe meu pé-de-coelho e rezei bastante além de me aspergir com água-benta. E ainda tive a sorte de ficar, durante a transferência, retida no limbo.
— Limbo?
— O visconde explicou, uma vez, que limbo é um lugar intermediário. Quando se está no limbo não se está num lugar nem noutro contíguo, mas numa fronteira indefinida.
— Puxa! Esse visconde deve ser muito sabido. Mas por quê foi sorte parar ali?
— Foi senhor Ninguém quem me reteve. Sabes, né? Aquele teu amigo, a inteligência cósmica que morava na caverna, que tua mãe insistia que era apenas um amigo imaginário. Quando criança a gente sofre com esse adultos tolos. Senhor Ninguém é uma inteligência cósmica que estava naquela caverna quando ficou teu amigo. Não foi embora de verdade. Vela por ti, pra que tenhas sorte na vida, sejas uma pessoa equilibrada e feliz. Por isso me reteve no espaço, no meio de minha viagem espaço-temporal: Pra ver se eu tinha boa intenção. Disse que ainda serás princesa do espaço. Então me ajudou a chegar àqui. Não sem antes me recomendar muito te divertir e contar muita fofoca. Por isso aqui estou. E pra voltar basta uma pitada do pó-de-pirlimpimpim.
Sacou duma abertura de sua pele de pano uma trouxinha de pano do tamanho da palma da mão e deu a Pêni.
— Tomes. É um presente. Pó-de-pirlimpimpim, pra usar como emergência quando estiveres perdida ou em perigo, pra ir a qualquer lugar que se deseje. O visconde disse uma palavra complicada: Ideopresença.
E duma portinhola do lombo do robô sacou vários gibis.
— Estes são gibis da Mônica. Sei que gostarás muito. É uma menina também com muita personalidade, igual nós duas.
— Oba! E como é dançar quadrilha? Tenho tanta vontade de dançar mas aqui não tem como.
— Hum… Deixes eu ligar o robô, quem mostrará como é. Verás como é divertido.
Emília apertou uns botões frontais, luzes começaram a piscar e o robô se levantou e disse com voz metálica:
— Boa tarde, menina Peninha. Me dás a honra desta dança?
— Puxa! É um cavalheiro! Dancemos, senhor robô.
Na altura da cabeça abriu uma portinhola donde se destacou um projetor que projetou na parede um clipe duma bela quadrilha junina, pra mostrar como é.
Então com o robô tocando uma trilha junina os três ensaiaram uns passinhos.
— Pula! Olha a cobra! É mentira!… A chuva! É mentira!…
Peninha se divertiu tanto que ficou cansada demais pra voltar à espaçonave Júpiter 2. O robô a carregou.
Emília se despediu, espalhou umas pitadas de pó-de-pirlimpimpim na cabeça e voltou ao sítio.


Coleção de cartão-postal de Joanco
 



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