Iván Martínez (Gran misterio) - Manuel Belgrano
Crônica
buenairense-montevideana, 2016
Capítulo 2
O
mistério da toalha-de-banho ●
Cadê a arroba? ● E
agora, José: Como sair da conta? ● Considerações filosóficas
sobre cultura e estereótipo ●
Filosofança sobre beleza ●
Paraguaios fundaram Buenosaires
Um lapso de memória e eu disse Morris Albert. O dueto que não seria chorinho mas chorão é Leonardo
& Demis Roussos.
No aeroporto buenairense uma opção é o guichê de táxi onde
se paga ali mesmo. Tem dois lado a lado. O céu encoberto por grossa capa
cinzenta não era seco e dia claro como em Lima. Muito úmido e escurecido como
num crepúsculo, como em ocasiões em nosso inverno.
O elevador do hotel Pop
pra chegar ao segundo andar parece que foi ao vigésimo. Mais uma sensação de
câmera lenta. A porta usa aquele muito prático sistema de cartão magnético onde
a energia só liga quando depositado num leitor ao lado do interruptor. Assim o
hóspede não precisa entregar chave à portaria ao sair.
A escada (também o de Montevidéu) é de emergência, de modo
que o hóspede só tem o elevador. No banheiro só tinha a toalha-de-rosto,
dobrada sobre o rodapé do box. Então fiquei na dúvida se era toalha ou tapete.
Se não tem a outra, decerto é tapete, pensei, e a deixei no chão depois de
improvisar como toalha-de-banho. No dia seguinte apareceu dobrada noutro lugar.
Então deve ser toalha mesmo. Só dias depois percebi a toalha-de-banho no
míni-armário, onde tem uns cabides. Achei muito bizarro isso: A toalhinha no
banheiro e a toalhona no quarto! Será, que por ser frio, o argentino toma só
uma ducha e só se precisar toma banho com sabão? Não deve ser, porque o clima é
como o do Rio Grande do Sul, e no verão fica muito quente.
Nas viagens em geral notei que os hotéis não usam tapete, exceto
os todo atapetados, e são muito carentes em pendurico em banheiro. Não se acha
um pino pra pendurar uma cueca, toalha, sacola. E um pedaço de pano servindo de
tapete na saída do box é essencial pra não molhar o chão.
Meu quarto tinha três camas. Então é baixa temporada e os
quartos ficam sobrando.
Na área diante do quarto e do elevador dois computadores. A
área internética. Muito raro ver alguém entrando ou saindo doutro quarto ou
ouvir ruído interior. Não vi alguém usando internete. Talvez noutro andar. O
movimento na portaria também era escasso.
O desjejum consistia num saquinho de papelão, o típico
saquinho pra pão, cuma fita grampeada servindo de alça, contendo um par croassã
doce (Eu diria semi-doce. Na verdade é uma variedade de pão-doce), ali chamado medialuna (meia-lua), insosso, com massa
mal assada, pendurado na maçaneta da porta às 8h da manhã. Todo dia o mesmo par
de enjoativa meia-lua. Não varia. Comprei um potinho de mel, pra ver se
melhorava a meia-lua, mas nem assim.
O atendimento na portaria é muito simpático. Não é a
cordialidade séria do brasileiro. São sorrisos. Procuram ser simpáticos mesmo.
Um me ajudou a comprar a passagem de barco a Montevidéu na internete. Subiu até
a área internética e mostrou passo-a-passo como fazer. E já fala português.
Estando no exterior não se deve esperar um teclado ABNT2, é
claro. Eu não me lembrava do código ASCII da arroba, por isso tive de perguntar
como teclar arroba, pois aparecia no teclado como a terceira opção, que seria
com alt-gr mas não funcionava. É bom
lembrar que em qualquer teclado, pois é padrão, é alt-64 ou alt-0064
(apertar a tecla alt junto com os
números e soltar), então aparecerá @.
O ruim são os teclados de brinquedo, que viraram praga, onde
é impossível datilografar. Meu teclado é pesado, teclas firmes e altas, não
aquelas chatas e moles, que não respondem e ora batem duplo. É difícil achar
teclado de verdade no mercado. Por isso e pelas diferenças de programas
instalados em viagem evito ao máximo usar internete. Aquele atendente teve de
repor o navegador Cromo (ou Crome, sei-lá), pois o Explórer é obsoleto. Disse
que o Cromo deveria estar instalado. Então o repôs. Mas o problema maior é o
seguinte:
Pra acessar internete entro em minha conta. Ao terminar saio
dela. Então abri o Cromo de novo, pra testar se saiu mesmo. E minha conta abria
automaticamente, como se em casa. O jeito era reiniciar mas tinha momento em
que avisava que isso derrubaria todos os outros que estavam na linha ali (os
outros hóspedes, suponho) e que perderiam tudo não salvo. Felizmente logo mais
tinha ninguém. E se fosse alta temporada? Muito incômodo. Mais uma trapalhada
dos programadores microssófticos.
Os avisos (também em Montevidéu) não são só em castelhano e inglês
mas também em português.
Muito perto, a duas quadras, a avenida Corrientes, imensa
avenida que lembra muito o agitado centro paulistano.
A cidade parece mesmo São Paulo. Muito diferente de Bogotá,
Lima e Santiago. Mas é uma multidão muito educada. Os carros não avançam contra
o pedestre ao virar esquina nem buzinam por qualquer coisinha. Nem sombra
daquela buzinação louca de Lima. Os pedestres esperam pacientemente abrir o
sinal e atravessam na faixa. Como Ramão disse sobre as filas pra cinema e
ônibus: Todo mundo enfileirado. Ninguém é espertinho. Nesse quesito de educação
dão banho de 10×0
nos brasileiros.
As figuras dos bonequinhos nos sinaleiros pra pedestre (Todos
funcionando, diferente de nossa triste Buracópolis) são brancos, de longe
parecendo meio azulados, em vez de nosso costumeiro verde.
O asfalto é liso, sem remendo e sem buraco.
Minha visão foi dum povo educado e simpático. Mas Ramão não
gostou muito. A vendedora do sebo Hamurábi, que quando até lá foi e saboreou um
alfajor de verdade no café Tortoni,
disse que não achou o povo essa simpatia toda.
Era o que estava discutindo com Ramão há pouco. Serão
segmentos sociais diferentes? Meu contato foi basicamente com os hoteleiros e
livreiros. Quase não fui a loja. Seria como julgar São Paulo baseado só num dia
visitando as lojas de tecido dos turcos. Só numa casa de chocolate o vendedor,
um senhor gordo, com preguiça até de ir à vitrine confirmar se tem este ou
aquele, teve o comportamento típico do vendedor descrito por Ramão, mas o que
vi era um evidente caso de distimia.
Um taxista, perguntando sobre Dilma, disse que espera que o Brasil
fique bem:
— Temos
de reconhecer que o Brasil é o gigante cujos passos são seguidos pelos povos do
continente, se queira ou não.
É melhor esquecer toda aquela ambientação idiotizante dos
locutores desportivos, pois aquela rivalidade exacerbada é artificial.
Outro taxista é fã de Ayrton Senna. Disse que o cara era especialista
em pista molhada. Enquanto todo mundo penava na pista molhada, Senna fazia
gato-e-sapato. Eu disse que Senna é o bruceli da fórmula 1. Bruce Lee e Ayrton
Senna são dois exemplos de quem se propôs a atingir o ápice em sua arte, a ser
o melhor possível, a canalizar a vida nesse único objetivo.
Não vi o argentino típico do futebol: Cabeludo e narigudo. Deve
ser dalguma etnia patagônica mais comum noutra região.
Em 1991, quando estive em Florianópolis, a praia era um
deslumbre. Os biquínis pequeninos, mesmo sem ser de bolinha amarelinha, e gatas
de cair o queixo, monumentos ambulantes, como dizia Joanco. Quando voltei, em
1993, tudo descaracterizado. Nada de gatas deslumbrantes. Os biquínis grandes e
a todo lado os narigudos cabeludos.
Beleza é simetria. Muitas vezes é um conceito pessoal. Se
fores à Alemanha ou Suécia, por exemplo, verás que não é todo mundo bonito.
Associar beleza à cor da pele ou do cabelo é típico da imaturidade, de quem
vive quase só na imaginação. As bogotanas, com traços bem indígenas, bem
branquinhas, são lindas, como são muito lindas as limenhas, indiazinhas mais
escuras, como as tipo índias do Xingu, de Belém do Pará, igualmente lindas. Mas
em Santiago, Buenosaires e Montevidéu não vi essa beleza, talvez porque se
aproxime do comum ao que estamos acostumados.
Vi na comunidade internética Taringa alguns comentários, e
até postagens, bem nazistóides, falando de arianidade, tendo a Argentina como
branca, etc. Mas não é o caso de polemizar. É um trabalho pra psiquiatras e a
polícia.
Pelo que vi em Buenosaires, não tem essa brancura toda que alguns
imaginam. Batendo perna a todo lado se vê uma população variada como do centro
de São Paulo ou mesmo de Campo Grande.
Quando escaneei Fantástica
ilha de Páscoa, de Francis Mazière, comentei com minha correspondente
chilena sobre a afirmação do autor de que o Chile é um país branco. Concordou
comigo de que essa idéia é real só na imaginação do autor.
Os negros tiveram participação ativa na formação dos países
platinos. Nas guerras também. Tal qual os escravos brasileiros, formando grosso
contingente na linha-de-frente na guerra do Paraguai. O tango, por exemplo, tal
qual o jaz, é de origem negra. E o Carnaval montevideano tem muito a ver com o
brasileiro. Mas onde estão os negros? Muito simples: Diluídos na população,
miscigenados. Como em Minas Gerais, muito miscigenado, onde predominam
moreninhas de pele parda muito lindas.
Eis um artigo, mostrando que Buenosaires foi fundada por
paraguaios:
Coleção
de cartão-postal de Joanco
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